Dossier

O círculo vicioso

Pe. José Carlos Nunes
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"...as grandes ideias deram lugar aos grandes slogans e os grandes partidos deram lugar a grandes «vedetas»!" - acentua o director da Revista «Família Cristã»

Como descrever o momento presente em vista das eleições legislativas de 20 de Fevereiro? A primeira imagem que me surge à ideia é aquela descrita no capítulo onze do Evangelho de S. Mateus: «Com quem poderei comparar esta geração? É semelhante a crianças sentadas na praça, que se interpelam umas às outras, dizendo: “Tocámos flauta para vós e não dançastes; entoámos lamentações e não batestes no peito!”». Perante os problemas sérios que o país enfrenta, a campanha eleitoral mais parece uma desavença de crianças, que vai das queixinhas aos insultos, do que um sério empenho em apontar caminhos para resolver problemas. Talvez por isso as grandes ideias deram lugar aos grandes slogans e os grandes partidos deram lugar a grandes “vedetas”! A política vive um momento de crise. Todos os dias o ouvimos dizer nos media, nas sondagens de opinião, nas intervenções dos líderes de opinião, no recente Comunicado da Conferência Episcopal sobre a situação política presente, nas conversas de rua e no íntimo âmbito familiar. A verdadeira causa desta crise está, a meu ver, no facto de a política ter perdido o entusiasmo dos princípios e valores inspiradores, que estão na base de qualquer serviço autêntico ao bem comum. Se a política perde a sua alma facilmente degenera e se corrompe. Por consequência uma série de males caem sobre ela: o pragmatismo e a precedência pelos interesses pessoais ou corporativos; o aceso confronto entre líderes de partidos que descem a níveis bastante baixos; a procura do poder pelo poder levando à corrupção; a intromissão de interesses económicos que condicionam a actividade política. Mas, o maior mal é que esta crise difunde um certo mau estar na vida política (e social) e na credibilidade dos cidadãos, levando a um círculo vicioso: a crise de ideais impede a renovação e a falta de renovação alimenta a crise de ideais. Será possível quebrar este círculo vicioso? Creio que sim. Aliás, esta é uma obrigação dos cristãos eleitores e empenhados na política. Os bispos portugueses são explícitos no Documento de 14 de Dezembro de 2004: «Não há soluções perfeitas, nem definitivas. Escolhamos aquelas que suscitam mais esperança e aceitemos, depois, contribuir para a sua implementação.» Diz João Paulo II que «os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na política (...). As acusações de arrivismo, idolatria de poder, egoísmo e corrupção que muitas vezes são dirigidas aos homens do governo, do parlamento, da classe dominante ou partido político, bem como a opinião muito difusa de que a política é um lugar de necessário perigo moral, não justificam minimamente nem o cepticismo nem o absentismo dos cristãos pela coisa pública» (Christifidelis laici, nº 42). Perante a actual crise política, é um dever dos cristãos empenharem-se para restituir à política uma alma, um entusiasmo crescente e uma vontade de governar para o bem comum. O próprio Concilio Vaticano II afirma «quem é ou pode tornar-se idóneo para o exercício desta arte tão difícil e nobre que é a política, prepare-se e preocupe-se em exercitá-la sem procurar apenas o próprio interesse ou vantagens materiais» (Gaudium et Spes, nº 75). Pe. José Carlos Nunes


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