Jorge Cotovio, Direcção do Colégio de São Teotónio, Coimbra e Associação Portuguesa de Escolas Católicas(APEC)
No campo dos princípios, a Escola católica (como, aliás, todo o restante ensino privado) deveria ser financiada pelo Estado da mesma forma que é financiada qualquer escola estatal. Ou seja, sendo um dos direitos fundamentais dos pais, como primeiros educadores dos seus filhos, a possibilidade de escolherem a escola que mais se coaduna com as suas convicções, o Estado deveria estimular a criação, pela sociedade civil, pelas Igrejas e por ele próprio, de um leque variado de escolas com projectos educativos diferenciados, suprindo as carências e garantindo uma educação de qualidade. Curiosamente, a nossa Constituição e grande parte do espectro legislativo decorrente enquadra-se neste contexto e aponta, em alguns casos, inequivocamente, para a gratuitidade do ensino nas escolas privadas, conseguido à custa do financiamento estatal, em paridade com as escolas ditas públicas.
Contudo, o profundo distancia-mento entre a lei escrita e a lei praticada – a forma tradicional de governação no nosso País – tem provocado, ao longo dos tempos, sucessivas injustiças e sistemáticas violações da lei. Destarte, as Escolas católicas, assim como as restantes escolas não estatais, têm sido marginalizadas pelos poderes políticos e, quando são “acarinha-das”, é porque estão a resolver um grande problema ao Estado.
Depois deste ligeiro intróito, passo a descrever, sucintamente, as forma de financiamento das Escolas católicas.
Uma pequena parte destes estabelecimentos (embora sejam, em geral, escolas grandes), celebra, anualmente, com o Estado, um “contrato de associação” (CA), por se encontrarem associados à rede “pública”. Neste sistema, os colégios, conquanto mantenham o seu projecto edu-cativo, funcionam para o Estado como autênticas escolas públicas, com a obrigação de receberem gratuitamente todos os alunos da sua zona de influência, até ao limite da sua lotação. O financiamento estatal recebido pelo estabelecimento difere de escola para escola e é calculado tendo em conta os vencimentos dos docentes e de alguns funcionários, acrescidos de uma percentagem que varia consoante a qualidade da escola, de acordo com critérios estabelecidos. A maioria destes colégios localiza-se em vilas e aldeias (excepcionalmente, também nas cidades de Coimbra, Leiria e Viseu, por saturação da rede pública) onde a oferta estatal não existe, abrangendo os 2º e 3º ciclos do ensino básico e o ensino secundário.
Ultimamente, devido ao facto de o Estado já não precisar de algumas destas escolas, acentua-se a pressão do Governo para alterar os critérios de apoio, pondo em risco o funcionamento futuro destes estabelecimentos.
Todavia, a maioria das Escolas católicas possui um outro contrato com o Estado denominado “contrato simples” (CS). Nesta modalidade, os colégios cobram a propina que lhes permite funcionar convenientemente, pois sabem que não vão receber qualquer apoio estatal. Efectivamente, este apoio traduz-se na atribuição de um subsídio às famílias (e não ao colégio!), de acordo com o seu rendimento, de modo a garantir a chamada “igualdade de oportunidades” no acesso a estas escolas, das crianças e jovens provenientes de meios familiares carenciados. Porém, apenas cerca de 22% dos alunos que frequentam estes colégios são abrangidos por este subsídio que, no escalão máximo (há quatro escalões), não ultrapassa os 50% da propina cobrada pelo estabelecimento. Estão, sobretudo, contemplados por este contrato todos os colégios com Pré- escolar e 1º ciclo, assim como a maioria dos que leccionam os 2º e 3º ciclos do ensino básico e ensino secundário localizados em zonas já suficientemente providas de escolas estatais.
O Estado português, ao adoptar estas modalidades de apoio, não só provoca a discriminação no seio das Escolas católicas (pois umas recebem apoio total e outras não), como leva as escolas com CS a sobreviver somente à custa das famílias com mais posses económicas. Ademais, os sucessivos governos têm poupado significativamente ao celebrar contratos de associação com colégios, omitido, propositadamente, esta informação. Numa investigação, por mim efectuada, procurando comparar as despesas realizadas pelo Estado numa escola estatal a funcionar em pleno e as despesas correspondentes em dois colégios com CA localizados na mesma cidade e ministrando os mesmos ciclos de escolaridade, cheguei à conclusão de que fica mais cara, ao Estado, a escola estatal do que o conjunto dos dois colégios! Então por que é que o Estado não alarga os CA, quando até reconhece que as escolas católicas (e o ensino privado, em geral) precederam as escolas estatais, garantiram a escolarização de gerações de alunos das nossas aldeias e vilas durante o Estado Novo (suprindo a falta de liceus “oficiais”) e antes dele, educam com qualidade e são desejadas pelos pais? A resposta é simples: o Estado quer continuar a ter o monopólio da educação, custe o que custar, protegendo, em primeiro lugar, as suas escolas, mesmo que não sejam desejadas pelas famílias.
Enquanto mantivermos este sistema discriminatório e ilegal e enquanto não forem dadas às escolas católicas e às restantes escolas privadas as mesmas condições de financiamento das escolas estatais – permitindo, desta forma, a liberdade de escolha por parte dos pais –, iremos continuar com a grave crise educacional e a manter os últimos lugares nas estatísticas da União Europeia.
Este quadro preocupante tem, obviamente, solução. E esta passa pelo melhor aproveitamento dos recursos e por alguma emulação entre escolas, conse-quência da liberdade de escolha. Curiosamente, duas ideias defendidas, ao nível da retórica, pela coligação que nos governa, contrariadas sistematicamente pela praxis. Até quando?
Jorge Cotovio, Direcção do Colégio de São Teotónio, Coimbra e Associação Portuguesa de Escolas Católicas(APEC)