Dossier

O dinamismo da encarnação, linhas do pensamento teológico-pastoral de D. José Policarpo

Manuel Costa
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Pe. Nuno Brás Martins, Reitor Pontifício Colégio Português

É difícil apontar em pouco espaço aquilo que são as linhas de uma obra de reflexão teológico-pastoral extensa, como é aquela do actual Patriarca de Lisboa, D. José da Cruz Policarpo. Tentemos, no entanto, apontar algumas das suas coordenadas a partir, essencialmente, da obra que marcou todo o seu trabalho teológico: o livro Sinais dos tempos, a sua tese de doutoramento, publicada em Lisboa em 1971. Uma tese de doutoramento é, habitualmente, realizada sobre um tema que apresenta alguma novidade para a respectiva ciência, mas que traz também consigo a garantia de não gerar grandes polémicas, e, assim, se mostra capaz de fornecer alguma segurança ao aluno. Não foi esse o caso da tese de D. José Policarpo. Com efeito, há 35 anos o estudo dos «sinais dos tempos» – uma das grandes novidades do Concílio Vaticano II – era aquilo que podemos hoje classificar de um «tema fronteira». O Vaticano II tinha acabado de ser celebrado; as actas do Concílio, que constituiriam o ponto de partida da investigação não estavam sequer publicadas; a reflexão teológica acerca do conteúdo dos documentos conciliares estava a iniciar-se. E a tudo isto acrescente-se a própria ousadia do tema: afirmar que a Igreja não tem apenas algo a ensinar ao mundo, mas tem, igualmente, algo a aprender dele. Já aqui se mostram algumas das características do pensamento teológico de D. José Policarpo: a coragem de não se refugiar na facilidade dos temas clássicos; um pensamento marcado pela teologia do Concílio Vaticano II; mas, ao mesmo tempo, a recusa de enveredar pelos caminhos sensacionalistas de quem, colocando-se fora da vida eclesial, a olha como se fosse o juiz omnisciente. Bem pelo contrário: o teólogo José Policarpo exercerá todo o seu pensamento no seio da Igreja. Aceitará, é certo, as interrogações, mesmo as provocações que o mundo contemporâneo, e em particular os seus pensadores, colocam à fé; mas as respostas serão dadas sempre a partir da fé eclesial. Uma outra característica que penso ser a espinha dorsal do pensamento teológico do actual Patriarca de Lisboa é constituída pelo mistério do Verbo encarnado. Ele é, no dizer de D. José Policarpo, «o ponto de partida único e necessário de toda a compreensão da salvação», tomado, no entanto, «não abstractamente, como problema teórico, mas existencialmente, enquanto o seu Reino e a sua Senhoria estão presentes e em realização nessa evolução da humanidade e do mundo que nós começamos a observar» (Sinais dos tempos, 285). Assim, a Igreja aparece no seio da história como a visibilidade da encarnação do Verbo, «companheira de viagem da humanidade na longa construção da história» (Sinais dos tempos, 265). Mas o chamamento à salvação não é apresentado somente pela voz eclesial: o mundo e a história trazem consigo uma abertura ao Evangelho, uma disponibilidade à graça manifestada particularmente nos valores humanos básicos: «suscitando nos homens esse interesse pela construção terrestre e profana do mundo, o Espírito prepara, no seio da história, a matéria do Reino dos Céus» (Sinais dos tempos, 268). Por isso mesmo, à Igreja cabe a tarefa de olhar o mundo com os olhos do amor de Deus, percebendo a sua disponibilidade e aptidão para ouvir a Palavra evangélica. A Igreja é, essencialmente, uma Igreja profética que, atenta aos grandes acontecimentos nos quais o Espírito Santo mostra a sua presença no seio da história, dialoga com o mundo e com os homens e se descobre chamada a uma contínua transformação de si mesma para ser fiel à sua missão apostólica. Tudo isto na consciência de que «tem algo a oferecer e a acrescentar ao mundo, algo que é específico dela: a salvação transcendente» (Sinais dos tempos, 289).


D. José Policarpo