Armando Sales Luís, Médico. Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz
Por motivo das funções que desempenho na Comissão Nacional de Justiça e Paz, tenho mantido um propositado afastamento quanto a aspectos de evolução dos problemas relacionados com a profissão de médico e docente universitário. Suspendo hoje este afastamento porque se desenham riscos – e certezas? – de confluírem inquietações comuns à minha missão actual e à responsabilidade de profissional e cidadão.
Os Portugueses estarão a perder direitos progressivamente adquiridos na preservação da saúde e assistência na doença. Portugal deixa deteriorar o seu Sistema Assistencial que, apesar de muitos e grosseiros defeitos, mereceu, se não erro, o 12º lugar de qualidade e eficiência, numa análise mundial efectuada por entidade internacional credível. Ninguém pode negar que há muito a aperfeiçoar, mas não se destrua o já adquirido.
1. No Curso de Medicina, na Faculdade, pretende-se ensinar e formar médicos capazes de estudar Medicina por toda a vida, e desenvolver neles algumas aptidões, competências e tendências. Exige-se, para a prática clínica profissional, um complemento obrigatório de internatos, efectuados em Hospitais e Centros de Saúde.
Após provas públicas, serão especialistas. Para cada um, impôs-se uma formação apropriada, que inclui anos de treino clínico devidamente tutorizado. A qualidade da prática clínica em qualquer especialidade médica, dependerá directamente deste treino tutorizado. Nesses anos, vai ainda adquirir a percepção de que a Medicina impõe um trabalho em equipa multidisciplinar e multiespe-cializada, em correcta complementa-ridade. Internatos, Carreiras e Concursos foram, com maiores ou menores defeitos, os pilares da qualidade crescente da Medicina Portuguesa.
Comprometer a sequência, aligeirá-la significativamente, ou ainda ignorá-la, é comprometer seriamente a saúde dos portugueses num futuro próximo.
2. Os Hospitais e os Centros de Saúde, encarados como sistemas empresariais, funcionam ao contrário das outras Empresas: - quanto mais eficientes, isto é, quanto mais elaboram, em quantidade e qualidade ou tempo de assistência, mais custam e mais desiquilibram orçamentos. Como cabe ao Estado a garantia da cobertura assistencial generalizada de saúde de todo o cidadão português, é compreensível que, a uma Política de Saúde eficaz e atempada, possa, diria deva, corresponder um défice orçamental.
De facto, só por extrema excepção um bom gestor de outro tipo de Empresa sem formação específica para a gestão hospitalar poderá dirigir um Hospital. Esta contradição pode e parece estar a acontecer em Hospitais S.A. Uma possível consequência é verificarem-se restrições para “equilíbrio financeiro”, o que, no caso da Saúde, pode constituir violação dos direitos do cidadão.
3. Por outro lado, é indispensável que existam, em simultâneo, iniciativas e esquemas privados, capazes de garantir parcelas da assistência de saúde, quer em termos de limitação programada de assistidos, de valências abordadas, actos terapêuticos ou exames complementares executados. Habitualmente, porque se limitam no espaço assistencial e gozam de maior liberdade de decisão, mantêm a precocidade nas inovações e eventualmente disfrutam de maior aceitação e prestígio sociais. São assim os Consultórios, as Casas de Saúde, os Hospitais Privados, as Clínicas de Diagnóstico e Terapêutica ou os Seguros de Saúde. Em termos gerais, devem funcionar, estatais e privados, como estímulos de rivalidade sã e em complementaridade na assistência global. Nunca como alternativas únicas.
4. A planificação para a Saúde em Portugal é possível, e previsíveis os resultados próximos e talvez os remotos. Desde que, para ela, se estabeleça um verdadeiro pacto de regime, democrático na elaboração e não imposto, e seja mantido estavelmente num período correspondente a duas legislaturas. Permitiria correcção de erros grosseiros de que todos são culpados, a começar na tremenda carência dos profissionais, previsível há mais de 20 anos e então rejeitada enfaticamente. Permitiria acabar a tentação de unificar estruturas com diferente caris e “personalidade” de actuação, ou de seleccionar (para cargos) por critérios de tipo clubístico. Erro de todos – mas incompatível com a democracia e o direito do cidadão à Saúde.
Há poucos dias, a Comissão Nacional de Justiça e Paz promoveu um Fórum sobre “Globalizar a Paz, Construir um Mundo Justo”. Temas como o Trabalho, os Direitos Humanos, o Rumo da Europa e a Educação para a Paz foram então debatidos. Parece-me oportuno juntar aqui, em igualdade de importância, alguns comentários sobre um tema tão central como é a Saúde.
Armando Sales Luís, Médico. Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz