O Estado Social, na superação da crise
Acácio F. Catarino, Vogal da Comissão Nacional Justiça e Paz
A história do Estado Social (ES) está marcada por revoluções, lutas políticas e defesa de princípios éticos; pode afirmar-se que o esforço multissecular e solidário, para a melhoria das condições de vida, tendia para ele. Em Portugal, o ES teve um primeiro esboço no final da Monarquia, prolongou-se na I República, teve continuidade no Estado Novo, apesar das suas orientações políticas, e recebeu um impulso extraordinário depois de 1974.
São muito próximos do conceito «Estado Social», os de «Estado de Bem-Estar» e «Estado-Providência», cuja abordagem ultrapassaria o âmbito desta reflexão (cf. António da Silva Leal, «Temas de Segurança Social», coordenação e prefácio de Ilídio das Neves, União das Mutualidades Portuguesas, 1998). Em qualquer deles, o Estado, em cooperação com a sociedade civil solidária, integra, na sua essência e objetivos, a garantia de condições de vida condignas para todos/as os cidadãos/ãs, sem discriminações; ele visa, em maior ou menor grau, a atenuação das desigualdades sociais e uma repartição mais justa dos rendimentos (cf. «Compêndio da Doutrina Social da Igreja», nn. 356-357). No âmbito da União Europeia, com base nos seus Tratados, consagrou-se a expressão «modelo social europeu»; e, embora não exista uma política social comum, defende-se a convergência das que existem nos diferentes Estados; nestes registam-se, nomeadamente, quatro modelos: o «nórdico», o «anglo-saxónico», o «continental» e o «mediterrânico». Normalmente, entende-se que o ES abrange especificamente alguns domínios tais como a saúde, a segurança social, a família, a educação, a habitação e o emprego (cf. art. 63º. a 79º., 58º. e 90º. da Constituição da República Portuguesa). Entende-se também que ele implica a reconfiguração do sistema económico, designada ou não por «economia social de mercado» ou «democracia económica».
Pode afirmar-se que a história do ES foi marcada por crises e respetivas superações. Desde, pelo menos, os anos 60, difundiram-se estudos vários denunciando o risco de o ES não ter viabilidade; e, hoje em dia, as denúncias vêm surgindo com mais frequência e virulência. As crises resultam de causas diversas, tais como: os constrangimentos económico-financeiros, agudizados nos últimos anos; o envelhecimento da população; o contraste entre idealismos irrealistas, que abstraem dos custos financeiros, e realismos pragmáticos, sem respeito pelos valores em causa; o contágio do ES pelos sistemas económicos (sobretudo o capitalista e o de economia de planificação central - vulgo «comunista»); a defesa, por cada força, política e social, do seu ES, em prejuízo de uma conceção comum; a própria conceção de democracia que, nos países menos amadurecidos politicamente, sacrifica o bem comum à luta pelo poder e à oposição sistemática; a insuficiência da cultura de corresponsabilidade na construção do ES; a conceção meramente estatizante deste... É deveras animador que, apesar de tantos anticorpos, o ES se tenha mantido e atualizado.
Na atual crise económico-financeira envolvente, o ES e o povo, que vai empobrecendo, são as principais vítimas. Apesar disso o ES, com a sua experiência e saber, pode ser decisivo na superação da crise; para tanto, basta que não perca as suas origens - anteriores ao próprio Estado, na sociedade solidária - e que saiba viver o presente com lucidez, sempre orientado para o futuro. Mais concretamente, importa que: adapte a proteção social às condicionantes atuais, sem perder de vista a evolução desejável; promova a corresponsabilidade geral; e desenvolva a ação social direta, de proximidade. A concretização destas linhas de rumo justifica uma abordagem autónoma; afirme-se no entanto, desde já, que a acão do ES pode contribuir não só para a garantia da proteção social mas também para o desanuviamento do clima político-social e para a promoção de atividades económicas geradoras de emprego.
Acácio F. Catarino
Vogal da Comissão Nacional Justiça e Paz
Solidariedade