Dossier

O lugar do trabalho humano na economia e na sociedade

Manuela Silva
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Reflectir sobre o trabalho humano envolve questionar a economia, a empresa, as relações mercantis ou o mercado como regulador supremo, mas também tomar consciência dos valores de civilização e de cultura que queremos preservar e desenvolver e bem assim inquirir como é que estes hão de tomar corpo nas múltiplas instituições que integram as sociedades e presidem à sua organização. Com toda a razão, a Doutrina Social, que a Igreja vem desenvolvendo há mais de um século, insiste em que o trabalho é a chave da questão social. Na sociedade contemporânea, a problemática em torno do trabalho, do seu estatuto, do lugar que assume na produção e repartição da riqueza e, de modo geral, do papel que lhe é conferido na organização da vida colectiva ganhou novos contornos, já que o trabalho assalariado e dependente se tornou num bem escasso e, do mesmo passo, a relação laboral conheceu uma acentuada perda de poder negocial dos trabalhadores, decorrente da globalização e da financeirização das economias. Por outro lado, os governos e a administração pública viram os seus meios de regulação e de intervenção fortemente condicionados pelas regras de um mercado cada vez mais aberto, competitivo e desregulado. É neste quadro que emergem questões novas que suscitam o interesse e empenho de todos os cidadãos e cidadãs que recusam a inevitabilidade dos fenómenos sociais, sejam eles o desemprego estrutural, o trabalho precário, os baixos salários a par da cada vez maior acumulação da riqueza produzida, o abaixamento dos níveis de protecção e segurança dos trabalhadores, etc... No contexto das novas coordenadas, ganha particular acuidade o próprio conceito de trabalho humano que não pode restringir-se apenas ao trabalho assalariado, mas há de incluir o trabalho de formação pessoal, de educação dos filhos e de prestação de cuidados na família ou na comunidade. O trabalho assalariado é apenas uma entre outras componentes do trabalho humano e do contributo que cada pessoa deve trazer à sociedade em que vive. Como integrar esta perspectiva nos mecanismos de repartição da riqueza e de organização das sociedades, quando se pode antever que irão sendo menores as oportunidades de trabalho assalariado para todos os activos que o procuram? Com a globalização, os poderes públicos nacionais viram a sua capacidade de intervenção na regulação e desenvolvimento das suas economias consideravelmente reduzida, sendo necessário encontrar novas formas de regulação do mercado a nível supra nacional sob pena de vermos persistir as situações de grande desigualdade e exclusão social, que hoje se verificam, tanto à escala de cada país como, e sobretudo, à escala mundial. Nem sempre o cidadão comum se dá conta destas realidades, não sabendo como lhes fazer face e como exigir dos respectivos governos actuações conducentes à construção de mecanismos de globalização da solidariedade, condição sine qua non para o desenvolvimento e a paz. De pouco vale engrossar a corrente do rio das muitas queixas e dos justíssimos descontentamentos (às vezes, protesto e actos de rebeldia), ainda que o leito de certos rios mais calmos se fazem com o galgar das margens que os querem conter ... O tempo, penso, é de inovação e de maior responsabilização pelo nosso futuro colectivo. Os cristãos (empresários, trabalhadores, sindicalistas, educadores, jornalistas de opinião, políticos) para serem fiéis à sua fé em Jesus Cristo e ao Evangelho, não podem resignar-se a um statu quo que é de injustiça estrutural, lesiva de valores fundamentais de dignidade da pessoa humana, fraternidade e partilha equitativa dos bens. Estas e outras problemáticas vão ser objecto de debate no Forum que a Comissão Nacional Justiça e Paz vai realizar em Lisboa, nos dias 21-23 de Novembro, com o lema “Globalizar a paz. Construir um mundo justoâ€. Manuela Silva


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