Dossier

O Milagre do Natal

D. António Couto
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1. Lê-se em As portas da floresta, de Elie Wiesel, que quando o grande Rabbi Israel Baal Shem-Tov via a desgraça a ameaçar os judeus, costumava dirigir-se a um determinado lugar na floresta para meditar. Quando lá chegava, acendia uma luz e dizia uma oração apropriada; o milagre realizava-se e a desgraça afastava-se. Mais tarde, quando a desgraça voltava a ameaçar, o seu célebre discípulo, Magid de Mezeritch, dirigia-se para o mesmo lugar, na floresta, e dizia: «Senhor do universo, escuta! Não sei acender a luz, mas ainda sou capaz de dizer a oração». E o milagre realizava-se outra vez. Mais tarde ainda, Rabbi Moshe-Leib de Sassov, para salvar uma vez mais o seu povo, dirigia-se para a floresta e dizia: «Não sei acender a luz, não sei a oração, mas sei o lugar e isto será suficiente». Era suficiente, e o milagre voltava a realizar-se. Aconteceu depois vir a desgraça sobre Rabbi Israel de Rizhin. Este sentou-se na sua cadeira de braços, pôs a cabeça entre as mãos, e falou a Deus: «Já nem sequer sei encontrar o lugar na floresta. Tudo o que posso fazer é contar a história, e isto deve ser suficiente». E era suficiente. 2. A história de Elie Wiesel falava da realização fácil de um milagre que tinha a ver apenas com saber um lugar, acender uma luz, dizer uma oração. Mas falava também de como, pouco a pouco, de geração em geração, se foi perdendo sucessivamente a ciência de acender a luz, de dizer a oração, de saber o lugar, tendo ficado apenas a história que se contava. E o certo é que bastava contar a história para que o milagre se repetisse. 3. A história de Elie Wiesel pode aplicar-se ao nosso Natal deste ano de 2007. Todos fazemos uma festa em nossa casa, montamos um presépio ou colocamos uma árvore iluminada à janela ou no jardim, fazemos muitas compras, gastamos muito dinheiro, oferecemos e recebemos muitas prendas, e por toda a parte há mais música e luz. Mas, se já não sabíamos o lugar, nem acender a luz, nem dizer a oração, parece-me agora que uma parte significativa desta geração também já nem sequer sabe a história ou rapidamente a começa a esquecer. 4. Estaremos perante um grande empobrecimento cultural e espiritual se amanhã as crianças começarem a pensar que o Natal é só compras e prendas, e já nada souberem do menino nascido em Belém há 2000 anos e que veio realizar a maior revolução de que há memória no coração da humanidade. Se nós já não sabemos contar a história, haverá com certeza cada vez mais só compras, prendas, doces e sorrisos, e pais-natais nos hipermercados, mas o milagre não acontecerá. E Natal sem milagre, que Natal é? 5. Pais e mães, não vos limiteis a comprar, comprar, comprar. Contai a verdadeira história do Natal aos vossos filhos, para que haja milagre em vossas casas. Em vós e neles. Vereis que é tão fácil e muito mais bonito. É outra vez Natal é outra vez a hora De salvar o que resta do tesoiro Que Deus depositou há dois mil anos No coração dum menino imorredoiro. Apressa-te menino e cresce devagar Das tuas mãos pequenas e abertas O testemunho do amor há-de passar Às nossas velhas mãos que tu apertas. António Couto


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