A religiosidade popular é um facto que acompanha a vida da Igreja e que a acompanhou durante todos os séculos. Trata-se de expressões, gestos, atitudes, que expressam uma relação pessoal com Deus: beija-se a cruz, percorre-se a Via Sacra, participa-se numa peregrinação, ajoelha-se diante do túmulo de um mártir ou um santo, conservam-se restos do seu corpo ou dos seus vestidos. No caso português é esta religiosidade que, sob uma aparente unidade enraizada no catolicismo, manifesta mais fielmente a pluralidade da sociedade portuguesa na vivência do sagrado
Habitualmente a religiosidade popular afirma-se em oposição à oficial, sendo entendida como uma forma híbrida, isto é formas inadequadas de entender e praticar a religião oficial. Em Portugal, por exemplo, as crenças populares incluem, ainda hoje, um conjunto de superstições e gestos mágicos oriundos do paganismo celta.
É difícil precisar onde foram os portugueses encontrar este “imaginário”, este “fantástico”, este culto do sagrado, com uma estruturação rigorosa de espaço e do tempo e onde avultavam as grandes festas da Primavera e do Outono. São Martinho de Dume e São Frutuoso, ambos Bispos de Dume e de Braga (518/525 - 579/665) no De Correctione Rusticorum e no Regula Monachorum, são os primeiros a insurgir-se contra esta tradição celta e a compulsar os clérigos a não exercitar esses cultos.
São Martinho de Dume faz uma descrição muito clara das práticas celtas druidas dos galegos no seu livro De Correctione Rusticorum (Corrigir as práticas dos camponeses), onde condena as superstições, as cantigas mágicas e diabólicas dos Celtas galegos. “Não fazer o culto as pedras, não alumiar as candeas aos petoutos, não rezar as fontes”, pedia o Santo. É neste contexto de assimilação das crenças e antigos ritos pagãos, que se perpetuaram ao longo dos séculos na tradição oral, que se deve buscar a origem da maior parte dos ritos e crenças que definem a religiosidade popular. Fica assim claro que muitas festividades pagãs foram cristianizadas, fazendo-as coincidir com as celebrações praticadas em épocas remotas.
As festas populares, manifestações colectivas, as crenças e ritos de devoção particular são as grandes marcas da religiosidade popular no nosso país. Nas festividades populares, com ou sem relação com o ritual oficial e, muitas vezes, com origem em cultos naturalísticos, é possível encontrar manifestações particulares, por vezes, com carácter mágico.
A atenção especial aos sinais da natureza como a água, a terra, a luz, o céu fascinou desde sempre as pessoas. A religiosidade popular, cósmica e natural, pode servir, no caso da Igreja Católica, para compreender melhor a utilização de sinais e gestos simbólicos que expressam uma componente profundamente humana e religiosa. Por isso, tem sido sempre chamada a atenção para uma verdadeira integração entre a liturgia e a piedade popular, como aconteceu na liturgia da Igreja dos primeiros séculos, com algumas celebrações, e na liturgia romana da Idade Média, com as procissões, ladainhas e outros ritos, assumidos em forma de culto.