Dossier

O que é se venera?

Pe. Joaquim Teixeira
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A veneração das relíquias dos santos tem uma longa tradição na história da Igreja. O respeito pelos mortos, pelos seus restos mortais e pelos símbolos mais evocativos da sua presença são um dado antropológico e histórico que facilmente constatamos. A veneração é um acto religioso que encontra, entre outras, a sua explicação na capacidade que a fé tem de encarnar, de assumir gestos e símbolos pelos quais evoca grandezas e verdades difíceis de se traduzirem na linguagem mais convencional. Por isso, ao colocarmo-nos diante de um relicário como o de Santa Teresa do Menino Jesus estamos, literalmente falando, diante de uns restos mortais da própria Teresa de Lisieux. No entanto, este símbolo tem um poder evocativo, está carregado de sentido e transcendência. Venerando, pela presença, pelo simples toque e olhar, somos transportados natural e espontaneamente para a «história de uma vida, de uma alma» que é providencial para o nosso tempo. É certo que todo o mundo simbolico-religioso, tal como este acto da veneração das relíquias, corre o risco de ser deturpado, de resvalar para o puro sentimentalismo inconsistente e vazio. No entanto tais possíveis desvios não nos podem impedir de viver este acontecimento que já está a ter nas dioceses que percorreu um efeito detonador das mais belas expressões de religiosidade e frescura evangélica. Mas então o que é que veneramos diante do relicário desta «maior santa dos tempos modernos», na expressão de S. Pio X? Ao acolhermos as relíquias de Santa Teresa do Menino Jesus, Padroeira das Missões e Doutora da Igreja, somos levados a centrar-nos no testemunho da sua vida e doutrina, apresentados sobretudo nos seus manuscritos autobiográficos - História de uma Alma, pois como bem afirmam os bispos portugueses na Nota Pastoral a respeito desta visita: «As relíquias mais preciosas que Teresa deixou são as palavras sábias e santas dos seus escritos espirituais, tesouro da sua memória para todos os cristãos» (n.2). Logo, não podemos desligar este acto de veneração sem o associarmos à leitura dos escritos espirituais de Santa Teresinha e ao conhecimento da sua vida e doutrina. Na verdade, a força e o vigor que dimanam dos seus escritos são de uma atracção tal, que as edições se vêm sucedendo em catadupa nas mais diversas línguas ao ponto de fazer do seu livro um dos mais editados a seguir à Sagrada Escritura. São muitas as vocações de especial consagração: sacerdotes, religiosos e missionários que despertaram para o chamamento divino ao lerem as páginas de Teresa de Lisieux e ainda hoje refrescam e renovam da sua entrega a Deus e ao mundo, quando entram em contacto com esta jovem santa. O seu amor a Jesus, o desejo de fazer que todos O amassem, a confiança inquebrantável na misericórdia de Deus, o caminho simples de abandono nos braços do Pai são alguns núcleos centrais da sua doutrina, profundamente enraizado no Evangelho, é ele «que me sustém durante as minhas orações; nele encontro tudo o que é necessário para a minha pequena alma. Nele descubro sempre luzes, sentidos ocultos e misteriosos» (Ms A 83); em S. Paulo, que lhe apresentou a caridade como chave de todas as vocações ao ponto de descobrir a sua «como uma vocação ao amor no coração da Igreja»; e ainda no profeta Isaías que lhe revelou as entranhas maternas e paternas de Deus Pai que ama ternamente os simples e pequenos. Ao venerarmos as relíquias de Santa Teresinha estamos, ainda, a descobrir o Deus da misericórdia e do amor, revelado em Jesus e que o Evangelho apregoa, estamos a reavivar o desejo ardente de Teresa em trabalhar «pela salvação das almas», indo «até às ilhas mais longínquas», e não apenas durante a sua e nossa curta vida, mas «desde a criação do mundo até à consumação dos séculos» (Ms B3r.). Poucos meses antes de partir, partilhou a sua intuição: «sinto que a minha missão vai começar, a missão de fazer amar a Deus como eu O amo, de dar às almas o meu pequeno caminho (simples, rápido, directo, o do abandono confiante, semelhante à criança que adormece nos braços de seu Pai). Se Deus realizar os meus desejos, o meu Céu passar-se-á sobre a terra até ao fim do mundo. Sim, quero passar o meu céu a fazer o bem sobre a terra» (UCR, 17-7), «será como uma chuva de rosas» (UCR 9-6). A glória e o poder de Deus continuam a manifestar-se nestes gestos simples e profundos e assim, na singeleza do olhar e do toque das relíquias de Santa Teresinha do Menino Jesus, somos nós próprios tocados pela graça que nos impele à fidelidade ao Evangelho e à atenção às necessidades mais escondidas da humanidade. Pe. Joaquim Teixeira OCD


Santa Teresinha