Pe. Saturino Gomes, Director do Centro de Estudos de Direito Canónico - UCP
Ao longo da história foi necessário regulamentar as relações entre a Igreja e os Estados mediante Convenções entre as duas partes. Receberam o nome de Concórdias, Pazes, Capitula Concordata; hoje, Acordos; de forma corrente Concordatas. As Concordatas são convenientes e práticas para resolverem satisfatoriamente, e por mútuo acordo, os problemas que interessam à Igreja e ao Estado e como que «constituem a magna carta que assegure e garanta a situação da Igreja e dos cidadãos católicos num país» (António Leite, A Concordata de 1940 Portugal-Santa Sé, Lisboa 1993, 10).
Em Portugal, são inúmeros os instrumentos jurídicos celebrados para o entendimento entre a Monarquia e a Igreja (a nível das Dioceses e da Santa Sé). Por exemplo: Concórdia entre D.Sancho I e os Prelados (1210); II Concórdia entre D.Sancho II e o Arcebispo de Braga (1238); Concórdia de D.Dinis (1289); Concórdia de D.João IV (1642); Concordatas de D.João V (1737); Concordata de D.Maria I (1778); Concordata de D.Maria II (1848); Concordatas sobre o Padroado do Oriente; Acordos de 1928 e 1929. A primeira Concordata com a República data de 6 Maio de 1940.
Todas as concórdias, convenções, acordos e concordatas entre a Igreja e o Estado em Portugal eram de carácter pontual: destinavam-se a resolver problemas concretos, bem definidos. A Concordata de 1940 é de âmbito geral, destinada como ela o diz, a «regular por mútuo acordo e de modo estável, a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a paz e bem da Igreja e do Estado». Pretendia-se ultrapassar as feridas da Lei da Separação de 1911 e de outros atentados à liberdade da Igreja no nosso país.
A práxis jurídica reservou o termo “Concordata”, em sentido próprio, aos convenções concluídos ao máximo nível, com solenidade, entre o Estado (representado pelos Chefes de Estado, Chefes de Governo e Ministros dos Negócios Estrangeiros) e a Igreja (representada pelo Romano Pontífice ou pela Santa Sé). Existe também acordos com outras denominações: Modus vivendi, convenções com carácter de urgência e em regime provisório; Protocolo, para questões menores e muito concretas, por vezes indica um convenção de categoria inferior; Troca de Notas Diplomáticas, para esclarecer ou interpretar cláusulas concordadas. Hoje em dia usa-se indistintamente o termo Acordo ou Convenção. O Código de Direito Canónico fala das convenções do seguinte modo: «Os cânones do Código não ab-rogam nem derrogam as convenções celebradas pela Sé Apostólica com os Estados ou outras sociedades políticas, pelo que elas permanecem em vigor, não obstante as prescrições contrárias deste Código» (cân.3). Na Acta Apostolicae Sedis, órgão oficial da Santa Sé, os Acordos e Convenções aparecem publicados com o termo “Conventio”, enquanto que as Concordatas são designadas por “solemnis conventio”.
As concordatas têm a particularidade de ser convenções diplomáticas entre a Igreja e um Estado, entre o poder eclesiástico e o poder civil. Diversamente dos outros tratados internacionais, as matérias concordatárias tocam o domínio temporal e o espiritual. Esta última especificidade explica sem dúvida o uso reservado do termo "concordata", cuja etimologia latina cum corde evoca uma dimensão que ultrapassa o direito para atingir o coração. Mas "concordata" é sobretudo o chegar a acordo em relação a certos e importantes temas.
É opinião consensual que as Concordatas fazem parte do direito internacional, daí que os acordos concluídos entre os Estados e uma Igreja, neste caso a Católica, revestem-se de importância supranacional. As Concordatas são acordos entre poderes juridicamente iguais, sobre a base do Direito internacional, submetidas ao princípio geral do respeito obrigatório dos tratados (pacta sunt servanda). As concordatas são pactos bilaterais entre um Estado e a Santa Sé, sujeito reconhecido de direito internacional. À Santa Sé, órgão de governo central da Igreja Católica, o direito internacional reconhece o jus tractatum e o jus legationis. Por viam contractus estabelece-se uma norma comum ao Estado e à Igreja. Não é a Conferência Episcopal que assina a Concordata, mas sim a Santa Sé. A Conferência Episcopal poderá sim assinar acordos pontuais, se essa for a vontade superior, expressa na Concordata.
Pio XII, num discurso proferido a 6.12.1953, perante um congresso de juristas, afirmava: «As concordatas são para a Igreja uma expressão de colaboração entre a Igreja e o Estado. Em princípio ou em tese, ela não pode aprovar a separação completa entre os dois poderes. As concordatas devem assegurar à Igreja uma condição estável de direito e de facto da parte do Estado com o qual são celebradas e garantir-lhe a plena independência no cumprimento da sua missão divina. (...) Quando a Igreja assina uma concordata, isso vale para todo o seu conteúdo».
Os Papas sempre encorajaram e aprovaram esta forma de entendimento entre as duas partes, para resolver determinados problemas, esclarecer questões de natureza vária. O Concílio Vaticano II, apesar de não se referir directamente a estes tratados internacionais, reflecte sobre a autonomia da Igreja e da comunidade política, não excluindo que possam cooperar para o bem comum (cf. Gaudium et Spes, 76).
Durante o pontificado de João Paulo II têm sido celebradas concordatas, acordos, protocolos que demonstram o interesse de vários governos em especificarem o seu modus vivendi com a Igreja Católica, superando condicionalismos políticos e ideológicos. Com o desaparecimento da URSS e a recuperação da liberdade religiosa e das outras liberdades, foram assinados Acordos e Concordatas nos Estados europeus libertados do comunismo. Também no Médio Oriente, Israel assinou um Acordo com a Santa Sé, em 30.12.1999, em Jerusalém. A Autoridade Palestiniana celebrou um Acordo com a Santa Sé, a 14.02.2000, tratando de garantir a livre actividade da Igreja católica nos territórios submetidos à sua autoridade. O Estado islâmico do Kaza-kistão celebrou um acordo geral de mútuas relações com a Santa Sé, a 24 de Outubro 1998. Outros Estados como a Letónia, a Lituânia e a Croácia celebraram Acordos. Este último país, três Acordos em 1996 (questões jurídicas, educação e cultura, assistência religiosa às Forças Armadas e Polícia) e um em 1998 (questões económicas).
O procedimento clássico de conclusão das Concordatas constam das seguintes etapas: a) Negociação, que se realiza mediante plenipotenciários, em ordem a fixar os assuntos ; b) Assinatura, que conclui o processo de elaboração da Concordata, que compete aos plenipotenciários (mas pode ser assinada entre o Chefe do Governo e o Cardeal Secretário de Estado, o que torna mais solene o acto); c) Ratificação pelo Parlamento; d) Troca dos instrumentos de ratificação; e) Promulgação pelo Presidente da República; f) publicação na Acta Apostolicae Sedis.
Perante o panorama dos Acordos e Concordatas celebradas sobretudo no actual Pontificado, chegamos facilmente à conclusão que elas são universais e não se limitam a este ou àquele continente; são abertas, isto é, a governos de índole cristã, islámica, judaica ou sem identificação religiosa; são estáveis no tempo, perduram para além deste ou daquele governo.
Pe. Saturino Gomes, Director do Centro de Estudos de Direito Canónico - UCP