Nas eleições legislativas de domingo passado a abstenção (35 %) ficou abaixo dos 38 % das eleições de 2001, taxa por sua vez inferior à registada em 1999 (39 %). Eis uma evolução positiva, que de alguma forma corresponde ao apelo lançado em 14 de Dezembro passado pela Comissão Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa. A descrença na política e na democracia não é, afinal, tão acentuada como alguns temiam. 5,7 milhões de portugueses foram votar no dia 20.
E votaram para mudar, dando ao Partido Socialista a primeira maioria absoluta da sua história. Como se sabe, o nosso sistema eleitoral não facilita maiorias de um só partido – até agora, só o PSD de Cavaco Silva as tinha conseguido. Discorde-se ou não daquilo que os socialistas preconizam para o País, é bom que um partido possa governar sem ter de fazer acordos mais ou menos pontuais com outras forças políticas, pois só assim poderá ser plenamente responsabilizado. E se o PS se quedasse por uma maioria apenas relativa, não só teria uma desculpa para não fazer reformas, como ficaria dependente de formações de esquerda mais extremista, caso do Bloco de Esquerda e/ou do Partido Comunista. Os eventuais apoios que o governo socialista necessitasse de obter desses partidos não viriam certamente sem contrapartidas.
A maioria absoluta impõe ao próximo governo socialista uma enorme responsabilidade. Terão de governar mesmo, com tudo o que isso implica de incómodo, luta, afrontamento de interesses particulares e corporativos, etc. Não poderão “deixar andar como se nada fosse”, para usar palavras do Presidente da República na véspera das eleições.
O eleitorado virou à esquerda? De facto, os partidos de esquerda somaram quase 60 % dos votos. Mas convém reparar em que o PS fez uma campanha dirigida ao centro político. Aliás, Sócrates havia ganho a competição pela liderança socialista com uma bandeira centrista, derrotando os concorrentes à esquerda. Seria preocu-pante, isso sim, se os partidos de esquerda conseguissem dois terços dos lugares na Assembleia da República, o que lhes permitiria alterar a Constituição e algumas leis fundamentais sem o consenso de partidos mais à direita. Mas ficaram longe dessa fasquia.
Tal não significa, porém, que o centro-direita e a direita não tenham saído feridas desta votação. O PSD e o CDS já convocaram congressos extraordinários para lidarem com a crise. Estaremos no fim de um ciclo em que o populismo tentou esta área política? Seria bom que assim acontecesse. Mas tudo, ou quase tudo, parece em aberto à direita: lideranças e até a configuração partidária. Uma divisão no PSD não é impensável. E o CDS – que já foi PP e voltou à sigla original – não encontrou ainda um lugar claro no espectro político: partido de oposição e protesto ou partido de governo? Uma coisa é certa: a política voltou em força.
Francisco Sarsfield Cabral
(Director de Informação da Rádio Renascença)