Dossier

Os 40 anos do Vaticano II - Recepção e situação actual

D. António Marcelino
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A data é propícia para fazer memória e balanço. Não posso negar a colaboração pedida, porque vivi este tempo em pleno empenhamento pastoral e com alguma atenção ao que se passou e passa, em Portugal, no após Concílio. A notícia do Concílio foi acolhida com muita alegria e muita esperança; a sua realização foi acompanhada de diversas iniciativas, quer para dar a conhecer o que se estava passando, quer para apresentar os documentos que iam chegando; a fase inicial seguinte, deu logo ocasião a actividades válidas, a nível nacional e pelas dioceses. Quando os ecos do acontecimento se começaram a esfumar e era o tempo de pôr em prática, se muitas coisas se foram enraizando e dando frutos, também depressa ficaram a descoberto os solavancos, as desilusões e as reacções à mudança. As mudanças mais visíveis, como todos sabemos, foram no campo das celebrações litúrgicas, não necessariamente no aprofundamento da liturgia, teologia e história, e nas implicações pastorais das mudanças rituais em curso. A eclesiologia conciliar teve avanços e recuos. A mentalidade que dominava estava menos aberta e sensível ao sentido do mistério, da comunhão e do serviço, e mais ao da hierarquia e do poder. A riqueza da Constituição sobre a Revelação, Palavra e Tradição, não foi facilmente apanhada: multiplicaram-se as actividades no campo bíblico, mais de carácter popular que de aprofundamento teológico consequente. Alguns Decretos conciliares, de interesse imediato, foram mais estudados. Assim, sobre a vida e ministério dos presbíteros, vida consagrada, formação sacerdotal e vocações, apos-tolado dos leigos e actividade missionária e, pela novidade, meios de comunicação social e a Declaração sobre a educação cristã. Só mais tarde e em meios restritos, se deu pelo Decreto sobre o Ecume-nismo e pelas Declarações sobre a liberdade religiosa e as relações com os não cristãos. E a Gaudium et Spes? Linguagem nova, por uns ansiada e para outros incómoda. Muitos ficaram-se na citação repetida do proémio “As alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias…” e a pensar que, ao falar, com voz erudita dos “sinais dos tempos”, estavam realizando o objectivo da Constituição. Outros foram mais longe, na linha de caminhos já abertos, mas deixando ainda muito caminho para andar. Como estamos hoje? O Concílio é, para alguns, coisa do passado; para outros, a renovação conciliar está como que a principiar; em muitos casos já enraizou e vão-se vendo frutos; no conjunto, tanto é caminho que se vai andando, com convicção e esperança, como apenas aberto, à espera de novo sopro do Espírito. As grandes linhas conciliares estão, em muitos sectores e espaços, em muitas comunidades e grupos, em muitos membros da Igreja, aguardando compreensão e implementação, sobretudo quando implicam conversão de mentalidades e de atitudes. Os órgãos de comunhão e de participação avançam a medo; o reconhecimento do papel do laicado com os seus direitos e deveres, está longe de se generalizar; a compreensão da vocação universal à santidade, toca a estranheza de uma linguagem com pouco sentido; a com-plementaridade das vocações e dos carismas na Igreja não rompeu ainda alguns dos escalões das diferenças honrosas; a conversão às novas atitudes de acolhimento e diálogo com o mundo e as realidades profanas, sendo muito difícil. A graça do Concílio, porém, não se perdeu e entrou no património da Igreja como certeza irreversível e como apelo diário de compromisso e de esperança. Os clamores por um III Concílio são, a meu ver, clamores de alguma ligeireza diletante. Só cumprindo o que está ao nosso alcance e constitui alicerce seguro e referência indispensável, e tudo isso é ainda muito, se poderá ver melhor o que falta. Sem fidelidade no presente, os projectos futuros soam a fantasia descomprometida. D. António Marcelino bispo de Aveiro


Concílio Vaticano II