Dossier

Os novos caminhos da Missão

Octávio Carmo
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Os novos caminhos da Missão católica, mais aberta ao diálogo e menos centrada nos números das conversões, estão em discussão no Capítulo Geral dos Espiritanos, que está a decorrer desde o dia 20 de Junho, e até 17 de Julho, no seminário da Torre d´Aguilha. “A perspectiva do missionário é a de levar um testemunho, uma mensagem cristã, a outras pessoas e outros povos, mas com atenção ao serviço material, de ajuda aos mais desfavorecidos e oprimidos”, explica à Agência ECCLESIA o Superior Geral da Congregação, Pe. Pierre Schouver. Falando sobre o que deverá ser o futuro da acção missionária, este responsável assinala a importância do diálogo inter-religioso, “porque o sucesso da Missão não está em contabilizar o maior número de baptismos, isso já não motiva”. Nesse sentido, o destaque vai para os missionários que vivem no meio dos muçulmanos, “numa perspectiva de descoberta da outra religião, um outro mundo”. Na mesma linha se pronuncia o provincial português, Pe. José Manuel Sabença, para quem “é cada vez mais evidente que não são os números que contam, até porque há uma viragem de Norte para Sul a nível de presença cristã”. “Quando se trata de analisar a nossa acção, nunca se olha numa perspectiva quantitativa, mas qualitativa, que tem a ver com a relação com pessoas concretas e a atenção às suas situações particulares”, vinca. A Missão ganha, assim, uma dimensão “extra-eclesial”, que aponta para valores como o diálogo, a fraternidade e outros que não são vividos exclusivamente no contexto da Igreja. Missão e Islão A missão no Paquistão foi particularmente dificultada pelas guerras no Afeganistão e no Iraque, dado que os religiosos são ocidentais e foram conotados com os “americanos”. O Ir. Marc Tyrant relata à Agência ECCLESIA que “a primeira reacção foi considerar todos os ocidentais como americanos, principalmente por parte dos grupos terroristas que pululam no Paquistão”. A atmosfera muçulmana requer um constante estado de alerta simplesmente para sobreviver e oferece situações invulgares aos missionários. “A mim, por exemplo, aconteceu-me que, quando a França se opôs à invasão do Iraque, passei a ser um amigo dos muçulmanos, nas ruas as pessoas diziam umas às outras que comigo estava tudo bem, eu era francês. Contudo, quando houve a lei do véu islâmico, a França tornou-se inimiga do Islão e era preciso ter atenção antes de dizer que era francês”, relata o Ir. Tyrant. A lição é simples: apesar das distâncias, os missionários sabem que em muitas situações representam as políticas ocidentais e é preciso afastar essa imagem. Nesse sentido, a missão dos Espiritanos no Paquistão é muito particular, trabalhando junto de duas minorias. Os religiosos têm uma paróquia em Rahim Yar Khan, ao serviço dos cristãos Punjabi que estão no mais baixo nível da escala social. Isto proporciona uma base para uma abordagem missionária aos Marwari Bhils, um povo nómada com traços de espiritualidade hindu. O religioso assume que, ao trabalhar como médico, abre portas para um contacto mais estreito e de confiança entre todos: “trabalho com muçulmanos, tendo formado um projecto contra a tuberculose, e servimos toda a população”. “Só assim podemos mostrar que os cristãos que vão ao Paquistão não querem combater o Islão, mas servir todos, especialmente os mais pobres, que é algo que os muçulmanos compreendem bem, porque este serviço é um dos deveres da sua religião”, refere. Ao contrário do que acontece no Paquistão, as Filipinas são um país de maioria católica (83% - a comunidade islâmica é de 4,6 % com cerca de 13 milhões de fiéis). Ainda assim, os missionários Espiritanos optaram por fixar-se numa região predominante muçulmana. Hoje em dia, já começam a traçar-se caminhos de respeito entre as Religiões, mas é ainda difícil a convivência entre elas por causa com o passado histórico, marcado pelas perseguições no tempo das colonizações espanholas, bem como pelo controlo dos americanos de vastas áreas dos muçulmanos. O missionário Daniel Sormani explica a necessidade de construir pontes, “porque quando as pessoas se reconhecem como amigas, todos os preconceitos desaparecem”. “Acredito que mesmo na Igreja há quem não tenha percebido o que significa o diálogo, há muita gente que preferiria colocar todo o esforço na conversão dos outros, vendo esta situação como a solução definitiva”, acrescenta. Pobreza e conflitos A opção por populações mais pobres e desprotegidas marca a missionação Espiritana. O exemplo vem do Haiti, onde os religiosos sempre estiveram envolvidos no desenvolvimento integral do povo. O Pe. Pierre Cherfiliy fala de um país “empobrecido, mas com recursos”, grandemente necessitado de estabilidade. “Nós tentamos acompanhar este povo na sua luta para que um dia tenham uma vida melhor”, assegura. Em Angola, depois de quarenta anos de guerra, chegou finalmente a paz. A paz hoje é um facto incontestável: calaram-se as armas, mas a guerra deixou uma herança muito pesada para todo o povo. O provincial local, Pe. Barnabé Sakulenga, refere que a acção dos missionários tem hoje muito a ver com a reconciliação “com um passado marcado por sinais de morte”. “A nossa missão é reconstruir a alma do angolano e devolver-lhe a dignidade e a esperança num futuro melhor e no Deus libertador. A guerra dividiu e neste momento temos de educar os nossos irmãos para que recupere valores fundamentais que perdeu durante a guerra”, relata. A África Ocidental também apresenta desafios para os Espiritanos, presentes na Gâmbia, Gana e Serra Leoa. Este último país tem sido devastado por uma sangrenta guerra civil desde 1991 que tem custado muitas vidas incluindo a de um missionário irlandês, Felim McAllister. O Pe. Peter Kofi Laast vinca a importância de estar “nos locais mais difíceis e abandonados”, para acompanhar e encorajar as populações desfavorecidas. “Após as guerras é preciso levar a vida a quem perdeu a fé nas pessoas, em Deus. Queremos proporcionar oportunidades, sobretudo às novas gerações, para que possam ter formação e construir um futuro diferente”, aponta. Às portas da China Taiwan é três vezes mais pequeno que Portugal, mas tem mais do dobro da população. De toda essa gente, a quase totalidade é chinesa de origem, e tem o Mandarim como língua básica. Os cristãos representam cerca de 3% da população, sendo pouco mais de 1% Católicos. Nas últimas décadas, Taiwan, tem conhecido um crescimento económico que faz inveja a uma grande parte das nações europeias. Por um lado, Taiwan é a imagem do guardião da cultura mais tradicional chinesa, por outro, é a imagem de um país moderno e aberto ao mundo ocidental. O português Victor Martins da Silva assume que neste país, as situações de fronteira têm menos a ver com a pobreza e mais a ver com o esforço de primeira evangelização, em diálogo com as outras religiões, falando “na trincheira que separa dois mundos, sobre a qual somos chamados a construir uma ponte, não ao ritmo estonteante das relações económicas e comerciais, mas ao ritmo de Deus”. “Nós, missionários, encontramo-nos numa situação inicial muito difícil, pois passamos um tempo imenso como se fôssemos crianças, a aprender a língua. A missão na Ásia é, assim, um convite a ouvir mais do que falar, a acolher uma cultura”, conclui.


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