Há uma questão que surge logo à cabeça: os Religiosos têm que comunicar com a Sociedade? Precisam de se preocupar em falar expressamente para a Opinião Pública? É que a sua natureza de grupo orientado para e pelo Sagrado ou a sua agenda carregada de tarefas no âmbito da Igreja e dos seus movimentos, bem poderia dispensá-los desse esforço de comunicar para públicos indiferenciados como os que se abrigam no conceito de “Sociedade”.
Enquanto membros de uma realidade maior, a Igreja Católica, os institutos religiosos poderiam deixar a tarefa da comunicação mais alargada para as Dioceses e Paróquias, concentrando-se nos seus trabalhos de acordo com os seus carismas. Ou não?
O simples facto de se colocar a questão tem que se lhe diga. A comunicação para o exterior, de modo sistemático e com padrões de qualidade nivelados pelo contexto, não é vista como um acto natural, um imperativo próprio de um actor socialmente relevante. Os Religiosos terão outras prioridades, talvez considerem que a Sociedade não está interessada no que eles tenham para lhes dizer ou, mais grave, talvez não julguem a Sociedade como merecedora do investimento.
Em plena Sociedade da Informação e Conhecimento atitudes deste tipo podem ser não ser as melhores, penalizando o potencial apostólico da presença dos Institutos. A verdade é que uma sociedade plural e atravessada por constantes fluxos informativos está sempre aberta a discursos múltiplos, dos mais aos menos maioritários, dos mais esperados aos mais inesperados. É uma sociedade ávida de emissores e conteúdos, que acolhe a diversidade como um bem em si mesmo, antes ainda de qualquer juízo de valor.
A Vida Religiosa com as suas largas variantes em feminino e masculino, contém uma forte afinidade com a Contemporaneidade que, precisamente, valoriza a diferenciação de propostas de valor. Este traço identitário do Universo Religioso –a pluralidade de abordagens, historicamente testadas – deveria abrir caminho para um irresistível impulso à comunicação com o exterior, com todos os exteriores possíveis, enriquecendo o debate social, dando o seu contributo, exercendo o direito próprio em sociedades abertas e cada vez mais colaborativas.
Querendo ou não, com maior ou menor autoconsciência, Religiosas e Religiosos e as suas organizações fazem parte de redes, serão nós de muitas e estão em constante processo de interacção ligando-se e desligando-se a muitos outros actores, reconfigurando continuamente o espaço social.
Assim sendo, mais valia que a Comunicação fosse algo de muito bem pensado, preparado, algo tomado como inerente à inserção num meio muito exposto e alargado. Como em tantas outras dimensões da vida pública, da legal à logística das casas e obras, também a Comunicação exige trabalho, dispêndio de recursos humanos, técnicos, materiais.
E por onde se começa a pensar uma Comunicação bem sucedida, admitindo que a sua necessidade está adquirida? Começa por algo que não é evidente para o estatuto da Vida Consagrada: a realidade do destinatário, a sua situação concreta, incluindo mentalidade e linguagem. Começa por Ouvir o Outro, com interesse autêntico, respeito pela sua experiência e modo de ver e sentir. Começa pelo amoroso acto de acolher pessoas e histórias “perdidas”, “desviadas”, “impuras”, “desorientadas”.
De facto, a Comunicação é sempre um movimento de Risco. Implica sair da casa conforto das ideias já bem arrumadas, das formas familiares de dizer, das pessoas com comportamentos previsíveis. Comunicar com a Sociedade, que nos calhou habitar, não é anunciar a Mensagem com uma sociedade ao fundo, como se fosse um filme com milhares de figurantes para compor a história e simular acção.
Muitos dos discursos sobre a não evidência do Imperativo de Comunicar para a Sociedade como um todo, ou, o que vai dar ao mesmo, muito da comunicação desajustada terão neste não querer sair de si mesmos, neste fugir ao Risco, a sua razão primordial. E, no entanto, como seria importante, vital para a Sociedade que se ouvisse a voz dos Religiosos, com o seu discurso próprio, o seu quadro de valores que lhes traz identidade e razão de ser.
Para que esta missão se concretize, exige-se um novo esforço de inculturação, que não se resume à apropriação expedita e tecnocrata dos meios digitais, operando algum tipo de tradução apressada de discurso. Servirá de pouco continuar a pensar da mesma maneira, mudando apenas a plataforma de comunicação. Será inconsequente prosseguir numa lógica auto centrada, fechada sobre si, ainda que ela se espraie em algum meio mais aberto e luminoso. Nesta óptica, e dando razão a vozes simplificadoras e bem intencionadas, não estamos perante uma questão de Marketing, no sentido de malabarismos exteriores.
A única comunicação eficaz é a que nasce da vontade interior, profunda, ligada ao Sagrado, de ir ao encontro dos outros. Depois há questões técnicas, que se aprendem, se treinam, se aperfeiçoam. Se as Religiosas e os Religiosos Portugueses quiserem aprender a comunicar com a Sociedade deste tempo, têm muito para contar e não faltarão públicos desejosos de ouvir, de questionar, de aderir ou rejeitar. Nesse processo de interacção com o mundo muitos discursos dos Religiosos serão refeitos, recomeçados, substituídos. Dá muito trabalho. Mas vale a pena. É, afinal, a essência do nosso ser missionário. A nossa aceitação reconhecida da proposta do Apóstolo Paulo.
Carlos Liz, director geral da APEME, Estudos de Mercado