Dossier

Paciência ecuménica contra medos e preconceitos

Nelson Pereira
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Nelson Pereira - Correspondente da RR na Polónia

Paciência ecuménica contra medos e preconceitos Por ocasião do recente encontro com o papa no Vaticano, o patriarca ortodoxo da Roménia, Teoktyst, sublinhou que o problema da secularização da Europa é em parte consequência da pouca preocupação das Igrejas europeias pela unidade e cooperação comuns. A intuição do patriarca Teoktyst é partilhada por João Paulo II e talvez por isso a preocupação ecuménica seja um dos traços fundamentais do actual pontificado. Mas as nuvens negras que se têm acumulado no campo das relações com a Igreja ortodoxa russa ameaçam fazer soçobrar todos os esforços ecuménicos de Wojtyla O papa que apela à construção de uma Europa “do Atlântico aos montes Urales”, com a sua “tradição pan-europeia de humanismo que abarca Erasmo, Copérnico e Dostoievski”, é um profundo conhecedor da cultura e história russas. Como se explica então esta situação paradoxal de uma guerra fria entre a ortodoxia russa e o catolicismo sob o pontificado de João Paulo II? O professor Grzegorz Przebinda, especialista em história das nações eslavas da Universidade de Cracóvia, atribui parte da responsabilidade ao desconhecimento da mentalidade russa entre os altos funcionários da cúria vaticana que se ocupam da Rússia e da ortodoxia. Que “mentalidade” é esta que se revela hoje um obstáculo ao diálogo ecuménico com a ortodoxia russa? Poucos são os povos que como o russo assimilaram de modo tão forte os factos e mitos da sua história no subconsciente colectivo. O russo comum - tanto o sincero defensor da ortodoxia como o agnóstico - vê no Vaticano o inimigo da “Grande Rússia” que quer converter todos os eslavos ao catolicismo com a ajuda dos únicos católicos entre os eslavos - os polacos. Este medo aparece nas obras e cartas de Dostoievski e é evocado nas posições assumidas hoje pelo patriarca Alexis II de Moscovo. Anima os sentimentos patrióticos de um “raça modificada” típica da sociedade russa actual - os “ortodoxos ateus”, que hoje defendem a substância nacional da Rússia face à “invasão polaco-vaticana”. E apesar de ser entre os intelectuais russos que o catolicismo encontra hoje os seus poucos defensores na campanha de ataques que se têm sucedido, estes não deixam de ser mesmo assim uma minoria. O preconceito e ignorância reinam mesmo entre os intelectuais. Um bom exemplo é Alexandre Soljenitsin. No dia 16 de Outubro de 1993, o escritor russo foi o convidado do papa no Vaticano. Segundo Irina Ilovaiska-Alberti, organizadora e testemunha do encontro, “apesar do enorme respeito por João Paulo II, que considera o maior homem dos nossos tempos, Soljenitsin permanece sob influência de preconceitos históricos em relação ao Vaticano e de um certo fanatismo anti-católico”. O escritor considera a Rússia “um país exclusivamente ortodoxo” e não sabe praticamente nada sobre as relações entre o catolicismo e a ortodoxia. Durante a conversa com o papa acusou a Igreja católica de, com a queda do comunismo, “procurar realizar a sua expansão nos territórios da Rússia nomeando bispos e enviando missionários”. Do testemunho de Ilovaiska-Alberti resulta que as palavras de João Paulo II causaram muita impressão no escritor russo. O papa esclareceu que a Igreja católica colhe inspiração para o diálogo com a Igreja ortodoxa dos documentos do Concílio Vaticano II. Soljenitsin, que não sabia sequer nada sobre o Concílio, concordou com João Paulo II quando este lembrou que “na Rússia vivem muitos católicos - polacos e lituanos, ucranianos e alemães - dispersos por todo o território russo em consequência de deportações, principalmente no período estalinista. A Igreja católica deseja apenas garantir-lhes ajuda e acompanhamento pastoral”. O líder dos greco-católicos, cardeal Lubomir Huzar, reconheceu recentemente em Varsóvia o seu pessimismo quanto à possibilidade de reconciliação entre católicos e ortodoxos. Sublinhou que o obstáculo principal são as dificuldades de natureza política. A Igreja ortodoxa russa, que considera pertencerem-lhe “todos os territórios e nações que faziam parte da União Soviética”, apoia hoje a atitude imperialista das autoridades. Para o cardeal Huzar, a unidade dos cristãos pode acontecer todavia de forma repentina e imprevista. Sob uma condição: se os cristãos souberem ter “a invulgar consciência ecuménica e a paciência de João Paulo II”. E lembrou as palavras do arcebispo greco-católico Andrzej Szeptycki em 1925: “Não estamos divididos em católicos, ortodoxos, protestantes, anglicanos; estamos divididos entre os que querem a unidade e aqueles que a não querem”. Nelson Pereira Correspondente da RR na Polónia


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