Dossier

Pais, alunos e escolas particulares

D. António Marcelino
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O primeiro-ministro disse na Assembleia da República, no dia 17 de Abril de 2002: “queremos garantir uma sã concorrência entre ensino público e privado. A escolha tem de ser baseada na qualidade e não na asfixia do ensino não público a partir do Estado.†Palavras responsáveis e lúcidas de um governante objectivo, corajoso e conhecedor de uma realidade nacional, que muitos teimam em esquecer, ignorar ou calar. Passei há pouco, com demora, pelos quatro colégios ligados à Igreja e sediados na Diocese. São cerca de três mil e quinhentos alunos, do 5º ao 12º ano, com ensino gratuito por força do contrato de associação. O quadro de professores estava completo e tudo preparado para as aulas arrancarem, em pleno, no início da semana. Mais uma vez, porém, como vem acontecendo todos os anos por esta altura, por uma razão ou outra, encontrei direcções, professores e pais, com muitas e justificadas preocupações. De um momento para o outro, com tudo organizado para o novo ano lectivo, o Ministério, unilateralmente, diz que as escolas com contrato de associação vão sofrer uma redução de 20 por cento no acordo com o Estado. Não se trata de diminuir um subsídio que se dá por favor. Trata-se de não respeitar os parceiros necessários, os compromissos assumidos, o diálogo indispensável e respeitoso, de igual para igual. A confirmar-se isto, o que não é admissível, os colégios com contrato de associação de todo o País, já organizados para o novo ano, seriam atirados para uma situação em que não poderão cumprir o seu dever para com os professores e o pessoal não docente, servir os alunos e os pais como eles têm direito, e teriam de suspender iniciativas inovadoras e apoios pedagógicos necessários. O contrato de associação, já de si é esquisito e menos justo, porque mais parece um favor à escola, que o reconhecimento do direito dos pais à escolha da escola e à gratuidade do ensino. A anunciada redução, que parece ter timbre de cariz economicista e ideológico, agrava a situação com o que daí se poderá esperar. É preciso dizer que, em democracia, o Estado, na sua função de coordenador de acções necessárias e de promotor do bem comum, tem, com realismo, que respeitar direitos, assumir deveres, reconhecer a dignidade das pessoas e o trabalho das instituições, não agir de cima para baixo ou de modo unilateral, ser responsável e exigir responsabilidade a todos e não apenas a alguns, sem receio de sanar discriminações inaceitáveis. Se o momento é de crise, então convoquem-se, com tempo, todos os intervenientes no processo e, com transparência, vejam-se os caminhos possíveis e que não excluam ninguém, ensino público e particular, dos sacrifícios razoáveis. Procurem-se razões válidas para as decisões a tomar, mas sejam ouvidos a tempo os que têm o direito e o dever de se pronunciar, os que sofrem as situações na mão com espírito colaborante. Nada se imponha, sem mais, e não se iludam os problemas reais e as suas causas. As estratégias não podem anular os objectivos a prosseguir. É um dever de quem governa. O Estado democrático não é dono dos cidadãos, nem do seu dinheiro. Não é procurador de ninguém se as pessoas se podem exprimir, de modo objectivo e claro. Não é voz unilateral, quando há parceiros necessários com direito a serem ouvidos. Não é entidade que se dobra a forças sociais mais reivindicativas, e passa ao lado de outras, porventura mais atentas ao seu trabalho, ao seu dever social, ao direito de todos. Sabemos o que o Estado dá às escolas particulares por aluno com ensino gratuito. Não sabemos quanto custa ao Estado um aluno de uma escola oficial, do mesmo ciclo e da mesma zona. Em toda a parte há escolas boas, professores competentes, gente séria e colaborante. Qualquer discriminação, por parte do Estado, será sempre injusta. Não faltam problemas ao primeiro-ministro. Este necessita da sua atenção. Assim se poderá testar o acolhimento das suas palavras de há um ano, por parte do seu Governo. António Marcelino


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