A Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine (Fica connosco, Senhor) que João Paulo II envia à Igreja Católica por ocasião do Ano da Eucaristia, volta à linha programática fundamental deste Pontificado, já com 26 anos: que a Igreja e o mundo coloquem Cristo no centro das suas atenções. Desta vez, é a presença real de Jesus na Eucaristia que lança mais uma etapa do percurso espiritual para a Igreja traçado pelo Papa.
O documento lembra que a “fracção do pão” - designação da Eucaristia nas primeiras comunidades- sempre esteve no centro da vida da Igreja. Um pão partido e repartido que apela a “um tempo de forte encontro com Cristo” e de atenção aos dramas da humanidade, ame-açada por sombras como a indiferença, a fome, o subdesenvolvimento.
João Paulo II assinala que “a Eucaristia não é expressão de comunhão apenas na vida da Igreja; é também projecto de solidariedade em prol da humanidade inteira”. A Igreja é, assim, desafiada a renovar continuamente, na celebração eucarística, a sua consciência de ser “sinal e instrumento” da unidade de todo o género humano.
“Cada Missa, mesmo quando é celebrada sem assistência ou numa remota região da terra, possui sempre o sinal da universalidade. O cristão, que participa na Eucaristia, dela aprende a tornar-se promotor de comunhão, de paz, de solidariedade, em todas as circunstâncias da vida”, assinala a Carta do Papa.
A “imagem lacerada do nosso mundo”, que começou o novo milénio com o espectro do terrorismo e a tragédia da guerra, desafia ainda mais fortemente os cristãos a viverem a Eucaristia como uma “grande escola de paz”, onde se formem homens e mulheres que, a vários níveis de responsabilidade na vida social, cultural, política, se fazem tecedores de diálogo e de comunhão.
O Ano da Eucaristia quer abrir o caminho da solidariedade ao serviço dos últimos. A carta do Papa aponta mesmo este como um ponto fundamental, considerando que “sobre ele se joga em medida notável a autenticidade da participação na Eucaristia, celebrada na comunidade”: é o impulso que esta aí recebe para um compromisso real na edificação duma sociedade mais equitativa e fraterna.
A reflexão sobre o Pão partido leva a Igreja a ir de encontro, imediatamente, a todos aqueles que precisam desse mesmo Pão. João Paulo II recorda que na Eucaristia “o nosso Deus manifestou a forma extrema do amor, invertendo todos os critérios de domínio que muitas vezes regem as relações humanas e afirmando de modo radical o critério do serviço: «Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o último de todos e o servo de todos» (Mc9,35)”.
Nesse sentido, o Papa propõe que o Ano da Eucaristia seja “um período em que as comunidades diocesanas e paroquiais se comprometam de modo especial a ir, com operosidade fraterna, ao encontro de alguma das muitas pobrezas do nosso mundo”.
O olhar de João Paulo II volta-se então para o mundo, muitas vezes carente de paz e de solidariedade, convidando todos os católicos a fazer o mesmo: o drama da fome que atormenta centenas de milhões de seres humanos, as doenças que flagelam os países em vias de desenvolvimento, a solidão dos idosos, as dificuldades dos desempregados, as desgraças dos imigrantes são uma chamada de atenção.
“Não podemos iludir-nos: do amor mútuo e, em particular, da solicitude por quem passa necessidade, seremos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo (cf. Jo 13,35; Mt25,31-46). Com base neste critério, será comprovada a autenticidade das nossas celebrações eucarísticas”, é o alerta que o Papa deixa a todos.
Octávio Carmo