Dossier

Para um novo profetismo: denunciar - propor - fazer

A. Silvio Couto
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«A Igreja pode denunciar [as opções políticas do país], mas o estilo da denúncia perdeu eficácia, porque as pessoas habituaram-se tanto a ser denunciadas por tudo, que aparecer uma voz a fazer mais uma... Não, a denúncia não é característica principal de um profeta» - disse D. José Policarpo numa entrevista conjunta à Sic-notícias, TSF e Público por ocasião do seu jubileu episcopal. Estas considerações suscitaram-nos uma breve reflexão sobre três aspectos complementares numa atitude de compromisso cristão pessoal e eclesialmente sintonizado com a voz do Espírito de Deus, hoje: * Denunciar exige atenção crítica àquilo que nos envolve. Quem anda desatento ou conformado com as coisas que o rodeiam terá pouca capacidade de denunciar. Quem anda demasiado ocupado com as tricas do dia a dia terá pouca lucidez para ver aspectos desconformes com os valores éticos. Há quem viva sob a saga do ‘dizer mal de tudo e de todos’, deixando-se ficar impávido sob o pedestal da sua imagem intocável. Quantas vezes vemos pessoas – bispos, sindicalistas, políticos profissionais e órgãos de comunicação social – de verbo fácil e voz altissonante a denunciar coisas que estão mal – e estão de facto – mas cuja incidência não passa(rá) de dizer mal ou criar mera reivindicação! * Propor exige coragem para avançar com ideias capazes de mobilizar outros, dar perspectivas e, sobretudo, comprometer-se naquilo que diz. Nota-se um certo desdém das ‘promessas’, sobretudo, em maré eleitoral, pois muitos conjugam em tempos e formas verbais confusas, vários modos de fazer como Frei Tomás, ‘olhando o que ele diz e não o que ele faz’! Há imensos arquivos com propostas que nunca foram tentadas. Há, de facto, muitos programas pastorais, eleitorais, autárquicos, etc. que nunca saíram do papel, tão irrisórios foram desde a nascença. Se houvesse mais tempero nas propostas talvez houve mais credibilidade em tantos sectores da vida pública, seja política, económica, social ou eclesial. * Fazer ou executar as propostas feitas, em atitude de coerência, é o mínimo que se exige aos proponentes. Diante da inflação da palavra, torna-se urgente viver noutra lógica de vida: levar a cabo aquilo que se propõe, tornando este mundo mais respirável. Neste clima de neo-profetismo deve haver, sobretudo, lugar ao testemunho, isto é, ajudando cada um de nós a que este mundo se torne mais humano porque mais cristão. Profetas de vida coerente, precisa-se, com urgência! A. Sílvio Couto


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