Manuel Guedes da Silva, Voluntário da Colónia de Férias do Bairro da Boavista
Nos dias de hoje falar de trabalho voluntário ou simplesmente voluntariado, não é tarefa fácil.
As múltiplas solicitações e dispersões que nos rodeiam – TV, Vídeo, cinema, desporto, computador...-, muito ajudam a justificar a falta de tempo e, de modo algum contribuem para que haja motivação dirigida para dispor de tempo dedicado aos que de nós possam necessitar. Desde muito cedo, e permanentemente, ouvimos dizer: “tudo tem um custo”, “a vida está cara” ou “há que trabalhar para ganhar o pão de cada dia” e tudo nos orienta o comportamento para a necessidade do dinheiro, de o ganhar para obter uma mais valia material.
Alguém verá, ao ler estas palavras, algum ‘fatalismo’, que no futuro apenas teremos uma sociedade despersonalizada, onde o dinheiro será o objectivo supremo do homem – a verdade é que, em parte e para muitos, já o é.
Devemos combater a tendência a tudo relativizar com base no dinheiro e ter presente que é no homem e nos seus valores que está a aposta numa vida mais saudável e feliz. Esta orientação deve ser seguida desde muito cedo e uma excelente escola de aprendizagem é sem dúvida a ocupação de tempos livres dedicada, de forma voluntária e gratuita, em favor de pessoas mais carenciadas.
Mas para que se possa aderir ao voluntariado, que devemos definir como trabalho não remunerado, é necessário reunir, no mínimo, três condições: ter um objectivo, haver motivação e concretizar um projecto. No primeiro há uma visão clara do que se pretende fazer e dos resultados a obter. Mas tudo exige uma motivação e uma força interior que vença dificuldades e permita, por vezes, que nos superemos a nós próprios, como que (re)descobrindo-nos. Por último, a concretização de um trabalho de voluntariado exige um projecto (pessoal ou inserido num grupo) onde se concretizam os valores pessoais e evidenciam (ou revelam) as capacidades de cada um ao serviço do próximo.
Durante mais de vinte anos, com a realização de Campos de Férias em regime de acampamento, para crianças de um dos bairros sociais de Lisboa, tive oportunidade de ajudar a proporcionar momentos de trabalho voluntário. Todos os anos cerca de 60 crianças de idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos, tinham a cuidar delas uma vintena de jovens que os acompanhavam 24 horas por dia, preparando actividades, cozinhando, lavando, brincando, tomando banho, dormindo, rezando, indo à praia, comendo, indo às compras, etc. etc.. O trabalho, sem dúvida bastante cansativo pela intensa atenção que exigia, requeria dos jovens aptidões que permitissem conseguir obter, em apenas 15 dias, tempo de duração do campo de férias, resultados nos hábitos comportamentais das crianças, quanto à relação entre elas e com os jovens, assim como hábitos alimentares e de higiene. Alguns jovens tiveram alguma dificuldade e houve quem pensasse em desistir, pois os tempos de convívio e de partilha eram limitados – o que fugia ao conceito habitual de férias -, para que as crianças se sentissem permanentemente apoiadas.
No final de cada uma destas experiências de trabalho voluntário, e certamente que de muitas outras, ficava sempre
- a certeza de que se ter conseguido proporcionar momentos de felicidade que não mais se esquecem e de se ter aprendido e crescido ao descobrir capacidades pessoais ou delas tomando consciência;
- o conforto de saber que se consegue vencer o desânimo e o cansaço indo para além do que de nós conhecemos;
- o valor da amizade e do trabalho em grupo que são uma das melhores escolas, que ajudam a preparar o jovem para mais tarde enfrentar com espírito construtivo as dificuldades que se lhes deparam.
O trabalho voluntário é, sobretudo uma escola de aprendizagem e enriquecimento pessoal. O espírito aberto e receptivo é uma constante que facilita a entrega plena ao próximo e, desta forma, obter resultados surpreendentes. O trabalho voluntário é, por si só, a plena constatação de que é DANDO QUE SE RECEBE.
Manuel Guedes da Silva, Voluntário da Colónia de Férias do Bairro da Boavista