Quatro Ecclesias
Podemos dizer como o poeta: Deus quer o homem sonha e a história acontece. As pequenas e grandes histórias. Quando tentamos juntar as peças, sentimos que algo nos transcende e que os acontecimentos foram criando uma sequência de cadeias harmónicas que tem a ver com a graça de Deus, alguns eventos que parecem acasos inteligentes e, finalmente, o tempo, a dar ou tirar razão ao que parecia irrefutavelmente coerente. Sem nunca se fechar a hipótese da surpresa.
No início dos anos 90 começou a projectar-se uma nova forma da Igreja em televisão, para além das que já existiam. Entre sins e nãos, propostas e recusas, concursos e acordos chegou-se a um acerto com base na Lei da Liberdade Religiosa. Assim se formalizava a presença na televisão e rádio públicas não apenas da Igreja Católica mas das Confissões Religiosas numericamente mais expressivas de Portugal. Sabia-se e sabe-se que as percentagens são relativas mesmo nas estatísticas oficiais mais rigorosas. O dizer sobre confissões e práticas religiosas tem uma particularidade de consciência pública e privada dificilmente comensurável.
Uma primeira versão concedeu, por lei, até duas horas diárias em televisão e rádio para treze Confissões Religiosas. Tudo isso levou anos a germinar em reuniões exaustivas que acabaram no entendimento em três direcções: a Igreja Católica e as outras Confissões Religiosas presentes em Portugal, o apoio governamental à produção, e o acerto na frequência dos programas com base na proporcionalidade e na tolerância. No conjunto a Igreja Católica ficou com 75% dos tempos e as restantes com 25%. Foi um acordo próximo da realidade, fruto de pacientes passos de consenso.
Estes números estão na base de todas as distribuições dos programas. De seguida, a procura dos formatos das emissões dentro da duração de cada uma. Na RTP iniciaram-se em 1997. Na RDP começam neste ano de 2009. Curiosamente as negociações com a RDP foram mais morosas e difíceis que as da RTP. Nalguns momentos por razões inexplicáveis. Na fase de maior concretização, pela dificuldade de encaixe das grelhas em programações mais fracturadas na rádio que na televisão.
Por opção da RDP já estão no ar duas horas de programação semanal da Igreja Católica: a Eucaristia Dominical e o programa “Toda a gente é pessoa” (inspirado nos valores cristãos mas não oficialmente pertencente à Igreja Católica). Embora não fossem motivos de reserva à presença católica, não deixaram de representar uma espécie de contagem adiantada em toda a composição do protocolo recentemente assinado pelas confissões religiosas e RTP (empresa que engloba a RDP).
Todos estes anos nos foram dando consciência dum novo espectro religioso do nosso país, com as fronteiras abertas a novas expressões, as grandes mudanças culturais, as novas mobilidades a que temos assistido, o número de imigrantes de outras culturas e outros credos. Para alguns grupos políticos mais que um triunfo ecuménico isso significou uma maior diluição do religioso com alguns arremessos à Igreja Católica para que perceba que não está só no terreno religioso.
Em consequência, muitas decisões surgiram com a capa jurídica da liberdade religiosa mas com o desiderato de subtrair à Igreja Católica terrenos de influência na sociedade portuguesa. Tudo isso surgiu nas negociações dos últimos anos e nalguns afrontamentos para silenciar a presença da Igreja e outras confissões nos media. Mas não é tudo. Se as confissões minoritárias precisaram da Igreja Católica para concretizar alguns projectos, a Igreja Católica precisou “politicamente” das outras Confissões para exigir aquilo a que tinha direito mas que se só a ela fossem concedidos, trazia sempre a mácula de “privilégio”, cassete fatigada que ressalta muitas vezes na análise do religioso no nosso país. E que, certamente, nas exaltantes celebrações do centenário da República abundantemente voltarão ao de cima.
Mas assim se caminha no reino dos homens e no reino de Deus. A presença de “4 Ecclesias” – quatro plataformas de evangelização – cria maiores exigências aos responsáveis que não podem desperdiçar os meios modernos de anúncio da Boa Nova na impressa, rádio, televisão e internet. E também ao segmento de leitores, espectadores e ouvintes que precisam dar audiência a estes programas em vez de derrubar estes novos púlpitos com a crítica fácil ou o vírus da indiferença que mata, tantas vezes, oportunidades valiosas de missão.
António Rego, director do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja
Comunicações Sociais