Dossier

Raízes medievais do Natal

Octávio Carmo
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O Natal é uma festa culturalmente muito marcada pela tradição medieval do presépio e do Menino Jesus. No século XI, a espiritualidade da infância do Salvador, iniciada por São Bernardo de Claraval, vai gerar um movimento que abre a porta ao presépio. Os pintores inspiram-se nos seus escritos.

A imaginária vai colocar Maria com o Menino de pé ou sentado no colo da Maria. No Natal, a imagem de Maria ou do Menino Jesus ficava em cima do altar. Estas imagens apresentam o Menino com coroa, ceptro real, manto, mundo na mão, para assinalar a realeza e a senhoria de Cristo, de acordo com o espírito medieval. Os vitrais da catedral de Chartres colocam o Menino deitado em cima de um altar. Esta cena vai influenciar os artistas dos séculos seguintes.

No século XIII, a “Legenda Áurea” de Jacobo de Vorigine descreve a cena natalícia com pormenores apócrifos que saciam a curiosidade do povo. A Ordem dos Pregadores divulga a confraria e a procissão em honra do Santo Nome de Jesus.

Mais tarde, no século XIV, São Bernardino de Sena e Santa Brígida espalham a devoção ao Menino Jesus e surge a imaginária para satisfazer a piedade. Em Florença, realiza-se a primeira manifestação de fé e de devoção pública em honra do Menino Jesus. A sua imagem vai ser levada em procissão e outras cidades vão seguir o seu exemplo.

Em Roma a imagem do Menino Jesus é colocada no altar da Ara Coeli. A imagem é levada em procissão, todos os dias 25 de cada mês. A fama deste Jesus “bambino” irradiou por toda a parte. Na quadra natalícia colocava-se no altar um retábulo com uma cena natalícia, uma imagem de Maria com o menino ao colo ou o Menino Jesus sobre o altar.

Assinale-se que a Idade Média é uma época de liberdade e de grande variedade no domínio religioso. As Dioceses, mosteiros e demais centros espirituais apresentavam tradições próprias, com diversidade nas cerimónias religiosas.

No ano de 1223, S. Francisco de Assis decidiu celebrar a Missa da véspera de Natal com os cidadãos de Assis de forma diferente: assim, em vez de ser celebrada no interior de uma igreja, foi celebrada numa gruta, que se situava na floresta de Greccio (ou Grécio), perto da cidade.

S. Francisco transportou para essa gruta um boi e um burro reais e feno, para além disto também colocou na gruta as imagens do Menino Jesus, da Virgem Maria e de S. José. Os presépios passaram a ser assim entendidos como uma pequena narrativa, inspirada nos relatos dos Evangelhos, mas a verdade é que em Portugal alguns deles representam uma outra interpretação teológica, mais ligada à entronização do Menino.

O Pe. José da Cunha Duarte explica na obra “Natal no Algarve. Raízes Medievais” como a região da Provença (sul de França) foi o grande centro de irradiação do presépio com raízes medievais. No Natal, surge o Menino Jesus glorioso, triunfante, o Salvador o senhor e Rei do mundo.

Este presépio foi levado pelos portugueses para a Ilha da Madeira, para os Açores e para o Brasil. Em Portugal, ainda podemos ver este presépio no Baixo Alentejo e no Algarve.

O Presépio tradicional algarvio conserva as raízes medievais. É um trono ou altar armado em escadaria. O Menino Jesus está de pé, no cimo do trono. À volta coloca-se verdura, Ramos de laranjeira. Na escadaria colocam-se laranjas e searinhas germinadas.

No início da década de oitenta o pároco de São Brás de Alportel iniciou a recolha das imagens feitas pelos pinta-santos algarvios. Na Igreja Matriz arma-se o presépio tradicional, em escadaria, com laranjas e searinhas e o Menino em cima do trono. A igreja também se reveste de panos como foi tradição nos séculos XVII e XIX.

Na Madeira, este presépio é conhecido como “lapinha”. O Menino Jesus está de pé, no cimo do trono. À volta coloca-se verdura e na escadaria coloca-se fruta com as “searinhas”. Uma lamparina acesa está sempre presente.

A imagem do Menino Jesus fica em cima do altar. Estas imagens apresentam o Menino com coroa, ceptro real, manto, mundo na mão, para assinalar a realeza e a senhoria de Cristo, de acordo com o espírito medieval.

Quando no final do séc. XI e princípios do séc. XII a liturgia hispânica foi substituída pelo rito romano, os livros que recebemos não vieram de Roma, mas de França, o que justifica esta forte influência que ainda hoje se sente em várias zonas de Portugal e a mistura de elementos que reflectem a cultura, a espiritualidade e a mística da França medieval.



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