Dossier

Regime fiscal da Concordata

Manuel Pires
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A nova Concordata (2004) veio introduzir uma «pequena revolução» no estatuto fiscal das instituições católicas e dos sacerdotes, em nome do princípio da igualdade, segundo julgamos, e se assim for, não apropriadamente entendido, até porque os benefícios fiscais correctamente estabelecidos não constituem privilégios. 1. Entidades colectivas 1.1. Impostos sobre o rendimento 1.1.1. Não foi estabelecido qualquer regime especial, isto é, por serem entidades católicas não beneficiam de qualquer disposição especial, o que significa terem cessado benefícios de que gozavam com grande extensão, atento que o rendimento obtido em actividades lucrativas era aplicado em fins desinteressados, isto é, não lucrativos. Neste sentido de cessação de benefícios especiais – embora por interpretação a contrario –, a Concordata tem duas disposições aplicáveis no domínio, a saber os artigos 26º, nº 5 e 12º. A primeira disposição citada – artigo 26.º n.º 5 -, incluindo, por exemplo, colégios, residências comunitárias, remeteu para a sujeição ao regime fiscal geral (sujeição ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas). O propósito foi certamente tornar clara a inaplicabilidade do regime de isenção até agora aplicado. Tal significa ter sido afastada a consideração da aplicação dos rendimentos aos fins religiosos, que, ao fim e ao resto, traduzia-se, ainda que mediatamente, estar-se ainda a prosseguir o fim religioso. Já o segundo artigo - artigo 12.º - remete para benefícios aplicáveis a fins assistenciais e de solidariedade, o que - como no atinente ao anterior - parece desnecessário, porque é uma evidência aplicarem-se os relativos benefícios quando a actividade é enquadrável no correspondente tipo e não haja regime especial. 1.1.2. Mas existe ainda tributação do IRC relativamente aos acréscimos patri-moniais. Dispõe o artigo 3.º n.º 1, alínea b) do respectivo código que, no caso das entidades colectivas com residência em Portugal e que não exerçam a título principal actividade comercial, industrial ou agrícola, o imposto incide sobre o rendimento global formado pela soma algébrica dos rendimentos líquidos das várias categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, pelos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito. No entanto e conforme o artigo 49.º n.º 3 do mesmo Código: «Consideram-se rendimentos não sujeitos a IRC, designadamente, as quotas pagas pelos associados em conformidade com os estatutos, bem como os subsídios e os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, uns e outros destinados à directa e imediata realização dos seus fins estatutários» (artigo 49.º n.º 3 CIRC, sendo nosso o sublinhado). Não existe, portanto, alcance actual para o disposto no artigo 26.º n.º 1, alíneas a), b) e c) da Concordata: « A Santa Sé, a Conferência Episcopal Portuguesa, as dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como outras pessoas jurídicas canónicas constituídas pelas competentes autoridades eclesiásticas para a prossecução de fins religiosos, desde que lhes tenha sido reconhecida personalidade civil nos termos dos artigos 9.º e 10.º, não estão sujeitas a qualquer imposto sobre: a) As prestações dos crentes para o exercício do culto e ritos; b) Os donativos para a realização dos seus fins religiosos; c) O resultado das colectas públicas com fins religiosos». Escrevemos alcance actual porque no futuro, se o artigo 49.º n.º 3 for modificado no sentido da tributação dos aumentos patrimoniais, este artigo da Con-cordata manterá o resultado da aplicação daquela disposição, na redacção actual, isto é, a não sujeição. Já significado tem a alínea d) do número sob referência que estabeleceu a não sujeição de «A distribuição gratuita de publicações com declarações, avisos ou instruções religiosas e sua afixação nos lugares de culto». É que, com ele, são evitadas quaisquer dúvidas face à verba 19 da Tabela de Imposto de Selo, embora relativa à publicidade. Poderia, pelo menos, ter-se a tentação da tributação. 1.2. Impostos sobre o património 1.2.1. Como é sabido, o sistema fiscal português não integra um imposto periódico e estático sobre a globalidade do património, mas existem impostos desse tipo sobre bens imóveis e viaturas automóveis. Relativamente aos primeiros, a Con-cordata - artigo 26.º n.º 2 - repete, salvo aspectos formais mínimos, a Lei de Liberdade Religiosa:. Não existe, assim, qualquer disposição sobre as viaturas automóveis, o que significa não poder ser-lhes aplicado qualquer benefício fiscal no quadro do imposto municipal sobre veículos ou outras tributações. 1.2.2. A tributação dinâmica do património foi objecto de modificações fundamentais em 2004. Assim: • no caso de transmissão onerosa de bens imóveis, aplica-se o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Bens Imóveis (IMT); • tratando-se de transmissões gratuitas de bens móveis ou/e imóveis, o regime fiscal, quanto às pessoas colectivas e como já foi afirmado, é regulado no IRC, e, assaz limitadamente - no caso de autoconsumo externo -, no Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). O artigo 26.º n.º 3 da Concordata estabelece ampla isenção quanto aos impostos antes referidos. 3. Sacerdotes Os sacerdotes deixam de gozar de qualquer benefício fiscal, mesmo em relação ao rendimento derivado do múnus espiritual. Tal significa aplicar-se o IRS a tais rendimentos, embora possam ser suscitadas dúvidas se os sacerdotes se consideram como prestando trabalho subordinado (Categoria A) ou trabalho por conta própria (Categoria B), propendendo para o primeiro termo da alternativa, com os deveres inerentes por parte da entidade pagadora. 4. Por último, a referência a três artigos finais: 28.º, 29.º e 32.º (o artigo 31.º não parece aplicável em matéria de benefícios fiscais). Estes artigos, embora permitam acordos, fixação de interpretação, medidas visando a execução e legislação complementar, não possibilitam modificações da Concordata nem dispensam o exercício dos poderes constitucionais da Assem-bleia da República ou do Governo, por aquela autorizado (artigos 103.º e 165.º n.º 1, alínea i). O que significa que, revestindo-se de utilidade, não permitem criar mais benefícios fiscais sejam isenções, sejam reduções de taxas, etc. Tal não significa, porém, que não se disponha da via de interpretação para determinar o alcance das disposições. 5. Concluindo: comparando o regime da nova Concordata com a amplitude do que até agora vigorava, designadamente no quadro das corporações missionárias reconhecidas, vê-se a razão por que bem pode dizer-se estar-se face a uma «pequena revolução». Manuel Pires Prof. da Universidade Lusíada, Lisboa


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