Dossier

Repensar Portugal

Guilherme d’Oliveira Martins
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Acaba de ser reeditado o livro “Repensar Portugal†(Multinova, 2005), da autoria do Padre Manuel Antunes (1918-1985), nas vésperas do Congresso Internacional, que assinala (com o apoio do CNC) a memória de uma das figuras mais marcantes da cultura portuguesa do século XX. A obra publicada originalmente em 1979 manteve, passados estes anos, uma curiosíssima jovialidade, que não é fácil de acontecer quando estamos perante ensaios políticos e sociais. E, tendo sido os ensaios que a constituem escritos dez anos antes da queda do muro de Berlim, é muito interessante notar hoje um sentido profético nas considerações de Manuel Antunes. Daí que tenhamos de reconhecer que a citação de Nietzsche, que o autor faz, ganha hoje uma pertinência evidente: “é a cultura que dota a consciência de memória, mas essa memória é mais função do futuro do que do passadoâ€. Repensar Portugal exige a compreensão da importância de uma revolução moral. E o autor fala, por isso, na necessidade de assumir o primado da produtividade sobre a propriedade, da cultura sobre a economia, do ser sobre o ter, da comunidade sobre a sociedade. A democracia necessitaria, por isso, de concretizar os dês exigentes de um projecto renovado: desburocratizar, desideologizar, desclientelizar e descentralizar. Para tanto, haveria que interiorizar a democracia e que dignificar a política. «De facto se há doentes do poder, muito mais perigosos que os doentes do futebol ou da droga, há também os sãos do poder, aqueles que conhecendo-se na estreiteza dos próprios limites, porventura, em certa impureza das próprias motivações, assumem o poder como função social de serviço à comunidade, como dever, nem sempre grato, a cumprir, como tarefa necessária que alguém terá a exercer». E se esta ideia de serviço é crucial, a verdade é que tem de ser exercida com «a naturalidade de quem, sabendo-se finito e relativo e a trabalhar num mundo relativo e finito, não obstaculiza outros melhores», respeitando, afinal, o velho princípio da subsidiariedade, segundo o qual as questões da polis devem ser resolvidas o mais próximo possível das pessoas. E aqui entramos no tema da legitimidade e da legitimação – e «com todas as imperfeições, que as possui sobretudo no domínio da eficácia, com todos os riscos da manipulação “inocente†e do cisionismo cíclico ou até radical, com todos os custos económicos que ele comporta, o modo democrático de legitimação é ainda de todos o mais digno de seres humanos, racionais e livres, o mais corrigível nos seus abusos, ao mesmo tempo que o mais estável nas suas estruturas de fundo». O Padre Manuel Antunes propõe, no fundo, a “recriação de Portugal por Portugal†– através de uma democracia, encarada como “espaço da liberdade e da comunidade, da subjectividade e da legalidade, da consensualidade e da soberania popularâ€. Eis a tarefa sempre inacabada que este Repensar Portugal contém e propõe… Guilherme d’Oliveira Martins


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