Dossier

Representar o Natal

Pe. José da Cunha Duarte
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Raízes Medievais do Presépio Algarvio

Ao longo dos primeiros séculos, a Igreja afirmou e defendeu que Cristo é Filho de Deus desde o primeiro momento da sua concepção no seio virginal de Maria. Esta é Mãe de Deus e Mãe do Povo de Deus. Em contexto apologético nunca se pensou em celebrar a festa do seu santo nascimento, em Belém. A grande festa litúrgica era a festa da Páscoa. Os primeiros escritos da igreja não se referem à festa natalícia. Clemente de Alexandria († cerca de 211) é o primeiro a referir-se a uma festa dos Magos que assinalava a sua revelação aos gentios. São Gregório Nazianzeno (329-390) afirma, que celebrou o Natal no dia 25 de Dezembro em 379, na cidade de Constan-tinopla e a Epifania a 6 de Janeiro. A partir daqui quase todas as comunidades cristãs do Oriente e em Roma celebram duas festas natalícias que se completam. A cena da natividade está representada em alguns sarcófagos e nos ícones. A festa do Natal não tinha qualquer manifestação popular. Um retábulo de Maria com o Menino ao colo poderia ficar em cima do altar, para assinalar a festa. No século XI, a espiritualidade da infância do Salvador, iniciada por São Bernardo de Claraval, vai gerar um movimento que abre a porta ao presépio. Os pintores inspiram-se nos seus escritos. A imaginária vai colocar Maria com o Menino de pé ou sentado no colo da Maria. No Natal, a imagem de Maria ou do Menino Jesus ficava em cima do altar. Estas imagens apresentam o Menino com coroa, ceptro real, manto, mundo na mão, para assinalar a realeza e a senhoria de Cristo, de acordo com o espírito medieval. Os vitrais da catedral de Chartres colocam o Menino deitado em cima de um altar. Esta cena vai influenciar os artistas dos séculos seguintes. NO SÉCULO XIII, a Legenda Aurea de Jacobo de Vorigine descreve a cena natalícia com pormenores apócrifos que saciam a curiosidade do povo. A Ordem dos Pregadores divulga a confraria e a procissão em honra do Santo Nome de Jesus. NO SÉCULO XIV São Bernardino de Sena e Santa Brígida espalham a devoção ao Menino Jesus e surge a imaginária para satisfazer a piedade. Em Florença, realiza-se a primeira manifestação de fé e de devoção pública em honra do Menino Jesus. A sua imagem vai ser levada em procissão e outras cidades vão seguir o seu exemplo. Em Roma a imagem do Menino Jesus é colocada no altar da Ara Coeli. A imagem é levada em procissão, todos os dias 25 de cada mês. A fama deste Jesus bambino irradiou por toda a parte. Na quadra natalícia colocava-se no altar um retábulo com uma cena natalícia, uma imagem de Maria com o menino ao colo ou o Menino Jesus sobre o altar. A PROVENÇA francesa foi uma região cosmopolita e muito religiosa com a presença do Papa em Avignon. No século XVI, o cardeal Bérulle introduz, nesta região, a tradição das searinhas e das laranjas ao lado do Menino Jesus, para Ele abençoar as sementeiras e as árvores de fruto. No século XVII, os conventos armam o presépio colocando a imagem do Menino Jesus em cima do altar. A devoção ao Menino Jesus sai dos conventos e chega ao povo. Para satisfazer a devoção armam a cena da natividade em quadros protegidos de vidro para as imagens não se deteriorarem. Na quadra natalícia colocam este pequeno santuário em cima do altar. Inocêncio III (1721) aprova a festa do Santo Nome de Jesus e os escultores divulgam a imagem do Menino Jesus. O presépio chega à casa do Povo. A região da Provença (sul de França) foi o grande centro de irradiação do presépio com raízes medievais. No Natal, surge o Menino Jesus glorioso, triunfante, o Salvador o senhor e Rei do mundo. Este presépio foi levado pelos portugueses para a Ilha da Madeira, para os Açores e para o Brasil. Os missionários espanhóis divulgam-no na América do Sul. Em Portugal, ainda podemos ver este presépio no Baixo Alentejo e no Algarve. Em França, Alemanha, Suíça, a países nórdicos ainda hoje surgem no Natal as laranjas e as searinhas de trigo. O PRESÉPIO tradicional algarvio conserva as raízes medievais. É um trono ou altar armado em escadaria. O Menino Jesus está de pé, no cimo do trono. À volta coloca-se verdura, Ramos de laranjeira. Na escadaria colocam-se laranjas e searinhas germinadas. Uma lamparina acesa está sempre presente. No início da década de oitenta o pároco de São Brás de Alportel iniciou a recolha das imagens feitas pelos pinta-santos algarvios. O presépio tradicional retomou vida e o Museu do Trajo do Algarve, em São Brás de Alportel, possui a única colecção de imagens populares, existente no Algarve. Todos os anos faz o presépio tradicional que, a pouco e pouco, está a retomar nova vida. Na Igreja Matriz arma-se o presépio tradicional, em escadaria, com laranjas e searinhas e o Menino em cima do trono. A igreja também se reveste de panos como foi tradição nos séculos XVII e XIX. Pe. José da Cunha Duarte, CSSp Pároco de S. Brás de Alportel


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