Pe. Jerónimo Nunes, coordenador da Antena Fé e Justiça
Europa e África estão unidas pelo umbigo da história. Terminada a descolonização, iniciou-se um processo de negociação de sucessivos contratos de cooperação mútua: Acordo de Yaoundé, Coven-ção de Lomé, Convenção de Cotonu.
1. Conteúdo da Convenção de Cotonu
Propõe-se reduzir e eliminar a pobreza favorecendo o desenvolvimento sustentável e a gradual integração das economias dos ACP nas regras do comércio global. A África deverá criar zonas de cooperação económica e cada uma delas negociará com a UE o seu Acordo de Cooperação Económica Regional (ACE).
Teoricamente os acordos devem obedecer a sãos princípios:
1. Igualdade das partes na cooperação, com os países ACP a deterem as suas próprias estratégias de desenvolvimento;
2. Participação no processo: mesmo sendo os governos o principal parceiro dos acordos, a sociedade civil, o sector privado e os governos locais e regionais são também associados.
3. Obrigações mútuas e diálogo hão-de criar um clima que garanta princípios democráticos, boa governação e respeito pelos direitos humanos.
4. Diferenciação e regionalização garantirão o respeito pelas assimetrias no desenvolvimento, concedendo atenção especial aos Países Menos Desenvolvidos (PMD).
De facto, as regras comerciais entre a Europa e os ACP estão a mudar. Até 31 de Dezembro de 2007, o Fundo Europeu para o Desenvolvimento (FED), garantirá ajuda financeira (15.2 biliões de euros entre 2000/2005) para desenvolvimento económico, humano e regional. Nesse dia, acabam as tarifas preferenciais e a África, com excepção dos PMD, terá de obedecer às regras da OMC.
2. Reservas ao Acordo de Cotonu:
Alguns países ACP e as ONGs levantam algumas reservas:
1.O objectivo é substituir o mecanismo de solidariedade que vigorou 40 anos por uma série de acordos centrados no modelo de comércio livre.
2. A UE dispõe de recursos muito superiores. Os ACE beneficiarão sobretudo a UE.
3. Os ACE regionais podem quebrar o poder negocial do bloco ACP e levar diferentes regiões da ACP a competirem entre si.
4. Os PMD, os países sem acesso ao mar e os insulares com economias frágeis têm medo de ficar sempre a perder quer se juntem a uma zona regional de mercado livre quer optem por ficar fora.
5. Para muitos países ACP, a maior fonte de rendimento são as taxas sobre importações de bens vindos da Europa. Permitir o acesso livre aos seus mercados, vai implicar, pelo menos de início, repercussões negativas nas suas estratégias de desenvolvimento e de redução da pobreza.
6. Os ACP temem que a regionalização possa reduzir a sua capacidade de produção nacional ao desviar para projectos regionais a ajuda para o acesso a bens essenciais.
Ao iniciar as negociações dos ACE, são muito diferentes as expectativas da UE e as dos países africanos:
- Para a UE, a economia de mercado livre é a única via de erradicação da pobreza: os ACE são meios para atingir um tal objectivo. Para os ACP, os ACE devem ser uma ferramenta flexível que gradualmente introduza as suas economias no sistema de comércio mundial, respeitando as opções de desenvolvimento de cada país.
- Para a UE, o ACE deve ser compatível com a OMC. Os ACP esperam que o ACE seja uma ferramenta capaz de flexibilizar as normas da OMC para as economias débeis.
- Os ACP querem ter a certeza de que nenhum país irá ficar em piores condições de acesso aos mercados do que antes. A UE defende que os ACE derrubem todas as barreiras comerciais e garantam pleno acesso de seus bens e serviços aos mercados ACP.
- Constituindo a agricultura a principal fonte de receitas das economias dos ACP, estes receiam que as exportações agrícolas da UE venham a prejudicar a sua agricultura de exportação. Querem que a PAC se harmonize com os ACE. A UE prefere examinar caso a caso o impacto das exportações agrícolas .
3. Posicionamento da rede Fé e Justiça África Europa (AEFJN)
Os missionários reunidos na AEFJN temem que o Acordo vise empurrar os países ACP para a liberalização global em condições que desfavorecem o seu desenvolvimento e as estratégias de redução da pobreza. Chamam a atenção para as políticas de subsídios da UE ao seu sector agrícola, para as implicações do Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (ADPIC), para as políticas de investimento e para o comércio de serviços públicos.
Há temas específicos que são relevantes: acesso a medicamentos essenciais, ADPIC e Modelo Africano de Legislação, o GATT ( Acordo Geral sobre Tarifas de Comércio) e o acesso à água potável e a outros serviços.