Segundo parece, vai proceder-se à revisão da Concordata assinada a 7 de Maio de 1940 entre a Igreja Católica, representada pela Santa Sé e Portugal, representado pelos seus governantes.
O que é uma Concordata? é um verdadeiro tratado ou contrato que obriga as partes contratantes, neste caso a Igreja Católica e o Estado Português os quais se comprometem a observar as disposições acordadas sobre pontos de interesse comum.
É um tratado muito semelhante aos tratados que se celebram frequentemente entre dois ou mais Estados. Por exemplo, muito recentemente foi celebrado um tratado entre Portugal e a Espanha acerca da utilização dos rios comuns aos dois países.
A Lei da Separação de 21 de Abril de 1911, da autoria de Afonso Costa, era sumamente injusta e persecutória para com a Igreja Católica em Portugal. Urgia sanar a situação e algumas arestas mais chocantes já tinham sido limadas durante a presidência de Sidónio Pais (1919) e logo a seguir à revolução de 1926.
Mas urgia ir mais além para, como se diz no prólogo da Concordata, "regular por mútuo acordo e de modo estável a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal para a Paz e maior bem da Igreja e o Estado". Para tanto, as duas altas partes contratantes, Santa Sé e governantes portugueses, "resolveram concluir entre si uma solene Convenção que reconheça e garanta a liberdade da Igreja e salvaguarde os legítimos interesses da Nação Portuguesa.".
A Concordata foi assinada após longas e difíceis negociações, que duraram vários anos, entre a Santa Sé e o governo português.
Reconhece a personalidade jurídica pública (internacional) da Igreja Católica e mantém as relações diplomáticas por meio de um Núncio Apostólico em Portugal e um Embaixador de Portugal junto da Santa Sé (art. 1º): garante a plena liberdade de organização e actuação da Igreja Católica em Portugal, a livre comunicação entre a Santa Sé e os católicos portugueses e dos Bispos com os seus fiéis (art. II) e a liberdade de culto (art. XVI). Garante-se também a liberdade de constituição e funcionamento de associações e organizações ou fundações religiosas, com capacidade para possuírem bens (art. III e IV), restituem-se à Igreja os bens violentamente confiscados pela Lei da Separação que estivessem na posse do Estado e não aplicados a serviços públicos. Na realidade, quase só foram restituídas as igrejas pois tudo o mais tinha sido vendido pelo Estado, ou estava aplicado a serviços públicos (art. VI).
Concedem-se algumas pequenas e justificadas isenções fiscais às igrejas e seminários e aos eclesiásticos pelo exercício do seu ministério espiritual (art. VIII).
Garante-se também a assistência espiritual aos hospitais, às forças armadas, estabelecimentos de assistência espiritual, asilos e outros similares (art. XVII e XVIII); liberdade de ensino e de fundação de escolas de todos os graus. Estabelece-se o ensino da religião e moral católicas aos alunos cujos pais não tiverem pedido isenção (art. XX e XXI); reconhecem-se efeitos civis aos casamentos católicos (art. XXII a XXV) e determinam-se várias disposições acerca do Padroado Português do Oriente e das missões no Ultramar (art. XVI a XXIX), hoje caducadas depois da transferência da soberania de Goa e Macau para a Índia e a China, e da independência dos outros territórios do Ultramar português.
Há ainda outras estipulações, de menor importância.
Pelo Protocolo de 15 de Fevereiro de 1975 foi revisto o art. XXIV da Concordata que proibia o divórcio às pessoas casadas catolicamente, que passou a ser-lhes permitido civilmente.
Quais serão as disposições da Concordara que irão ser alteradas? Não o sabemos. Tem havido algumas propostas, inclusive na Assembleia da República que vão desde a abolição pura e simples da Concordata, passando a Igreja Católica a ficar submetida apenas às prescrições da nova Lei da Liberdade Religiosa, em preparação, ou à abolição de algumas isenções fiscais, ao ensino religioso nas escolas, etc. Tudo isto se reivindica em nome não de uma simples laicidade do Estado estabelecida pela Constituição, mas de um verdadeiro laicismo agressivo que pretende eliminar de toda a vida pública o fenómeno religioso especialmente católico, apesar de, segundo as estatísticas, a grande maioria dos portugueses se declararem católicos.
António Leite
Canonista