Dossier

Revisitemos o Código

José António Santos
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José António Santos, Jornalista

«Para que seja garantido ao Homem o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à cultura, ao gozo dos bens da civilização, à dignidade pessoal e social, é preciso paz. Onde esta perde o seu equilíbrio e a sua eficiência, os direitos do Homem tornam-se precários e comprometidos; onde não há paz o direito perde o seu rosto humano. Lá onde não há respeito, defesa e promoção dos direitos do Homem – lá onde se pratica a violência, ou a fraude às suas liberdades inalienáveis, onde se ignora ou degrada a sua personalidade, onde se exercitam as discriminações, a escravidão, a intolerância – não pode haver verdadeira Paz. Porque Paz e Direito são reciprocamente causa e efeito um do outro; a Paz favorece o Direito; e, por sua vez, o Direito favorece a Paz.» São palavras de Paulo VI na Mensagem para a Jornada Mundial da Paz 1969. Socorro-me desta síntese admirável do Grande Papa Paulo VI e tomo-a como ponto de partida para uma breve reflexão sobre a expressão que essas mesmas palavras possam ter ou não, passados mais de 30 anos, em meios de comunicação social portugueses. Haverá jornalismo ao serviço da paz em Redacções onde a intolerância ganha espaço? Estarão empresas de comunicação social ao serviço da paz quando entre desígnios de audiências e de lideranças se subvertem valores e espezinham direitos de jornalistas e de leitores? Mais: haverá jornalismo ao serviço da paz em meios de comunicação social alinhados com a guerra e de forma incondicional favoráveis a intervenções militares ao arrepio do Direito? Teremos jornalismo ao serviço da paz em meios de comunicação social onde jornalistas não respeitem direitos de jornalistas e de leitores? Redacções e meios de comunicação social onde se reflecte pouco e se perdeu a capacidade de autocrítica poderão desenvolver um jornalismo criativo? Empresas e Redacções onde se tolera mal a acção de sindicatos e a intervenção de conselhos de redacção poderão ser arautos da paz? Espaços de trabalho onde, para eventualmente conseguir um emprego, jovens licenciados colaboram a tempo inteiro, durante meses e sem qualquer remuneração, alguma vez poderão ser comunidades humanas e de paz? Poderão desenvolver-se relações de paz, de sã e plural convivência em empresas onde jornalistas, por serem incómodos, são postos na prateleira e cargos de liderança são preenchidos por critérios de compadrio? Com alguma frequência lemos, ouvimos e vemos parangonas racistas, de ódio, violência e intolerância em páginas de jornais, aos microfones de rádios e em estações de televisão. Mesmo quando se trata de reportar a realidade, será que nesses relatos se vislumbram critérios de paz? Quando factos se confundem com opiniões e opiniões escondem ou se travestem de factos, estaremos diante de um jornalismo ao serviço da paz? O chamado jornalismo de fontes estará ao serviço do jornalismo ou das fontes? Será que esta relação, por vezes perigosa, é atravessada por desígnios de paz? Os conteúdos publicados em meios de comunicação social serão todos produzidos e editados por jornalistas? Que critérios de justiça e paz justificarão ténues fronteiras de propaganda e desinformação? O individualismo e o salve-se quem puder, ou o deixa-me estar quietinho no meu canto para não me comprometer, muito em voga em redacções de diferentes meios de comunicação social, emanarão de critérios de justiça e de paz? O medo e a auto-censura favorecem critérios de liberdade e de justiça, no seio dos meios de comunicação social? Os julgamentos públicos e sumários de cidadãos anónimos ou de personalidades públicas feitos nos meios de comunicação social serão expressão de jornalismo ao serviço da paz? As interrogações que aqui coloco evidenciam uma outra: o jornalismo hoje em Portugal faz-se ao serviço de que verdade? Certamente não será de uma, mas de muitas verdades… O neo-liberalismo e a globalização naquilo que é a sua pior expressão tomaram conta de muitas empresas de comunicação social, anestesiaram o espírito colectivo das redacções e desvalorizaram, senão mesmo chegam a penalizar, qualquer manifestação nesse sentido. Jornalismo ao serviço da paz realiza-se no compromisso com a verdade e a justiça. No confronto e no respeito pela diferença e pelo pluralismo. Para isso é preciso que os jornalistas reconquistem as Redacções e as transformem em verdadeiros espaços de liberdade. A Redacção de um órgão de informação deve ser desalinhada, ruidosa, inquieta, inconformada. Onde cada um e todos os jornalistas têm lugar privilegiado pelo discernimento e pela intervenção que a sua vocação lhes impõe. Jornalismo ao serviço da paz realiza-se pela assumpção e cumprimento pleno do Código Deontológico do Jornalista em vigor desde 1993. Perante a crise e grande confusão que por aí vai, por ocasião do 37.º Dia Mundial das Comunicações Sociais, apetece-me pegar nesta pequena jóia que temos como jornalistas – o Código Deontológico – e nela buscar alento para prosseguir a caminhada. «1. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade… 2. O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo… 3. O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação… 4. O jornalista deve utilizar meios legais para obter informações… 5. O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos… 6. O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes… 7. O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado… 8. O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas… 9. O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos… 10. O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional… Fica a síntese do decálogo. Revisitemos o Código.


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