A História e os acontecimentos que nela se entrelaçam e lhe dão vida podem ser lidos sob ângulos diversos e com variadas ópticas, mas nenhuma visão pode esvaziar a sua verdade, nem desvirtuar o seu sentido original.
Desde há tempos que a pressão ideológica de um laicismo sem espírito pretende ler e fazer ler a Europa, bem como perspectivar o seu futuro, pelo caminho ínvio e perigoso de relativizar e mesmo anular o papel do cristianismo na sua constituição e cultura, nos seus caminhos e projectos, nas suas vitórias e derrotas, nas múltiplas tensões, ultrapassadas umas mais que outras. Tudo isso que lhe teceu a sua história e lhe deu o seu rumo.
O cristianismo faz parte, de pleno direito, da alma da Europa. Uma alma a que não é historicamente estranha também a influência judaica e islâmica, pois destas culturas recebeu ela, ainda, força e poder. O que foi de novo acontecendo, ao longo de séculos, nunca pode ter uma leitura correcta se se apaga a luz cristã que permite ver e apreciar as raízes profundas onde a realidade europeia continua a inspirar-se e de que não pode prescindir, sem se alterar a verdade histórica.
Muitos europeus de hoje, que ocupam lugares cimeiros, enfeudaram-se a interesses políticos e ideológicos. Têm, por isso, receio de perder adeptos se falarem da influência do cristianismo e das outras religiões monoteístas no passado, no presente e no futuro do velho continente europeu. Aí está a proposta de uma convenção europeia, com todas as suas omissões e ambiguidades, a esconder a alma da Europa, que, na medida em que a não tiver, caminhará, inexoravelmente, para a decrepitude e para a divisão, para as lutas do poder e da influência, para a exaltação dos fortes e esmagamento dos mais fracos.
É preciso recordar que a modernidade não é a negação do cristianismo e dos valores evangélicos. Ela surge no seu seio, embora em luta, e o que teve e tem de positivo aí se inspirou. O desvirtuamento vem daquela visão que, para ser diferente, decretou que tinha de ser oposta. O movimento ecuménico volta a unir os que então se manifestaram opostos, porque as raízes são as mesmas e as divergências dos homens não são eternas.
A Revolução Francesa não cria novos valores. Os do seu ideário-chave, igualdade, liberdade e fraternidade, não são senão valores evangélicos na sua radicalidade. Por isso mesmo, hoje, até agnósticos que dela nasceram têm necessidade de explicar a “sua fé”, encontrando-se, com os cristãos, no apreço e na prática da solidariedade para com o próximo.
O laicismo é na Europa um fruto espúrio, nascido dos que decretam morte a Deus. Pela força de uns, cobardia e timidez de outros, ele está destruindo a cultura europeia e desumanizando pessoas e estruturas. É preciso dizê-lo porque, também em Portugal, o mesmo veneno se dissemina, com apoios de escolas e de alguma comunicação social, e com dinheiro de todos nós.
D. António Marcelino, Bispo de Aveiro