Dossier

Ser pessoa com a internet

Teresa Messias
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No mundo da comunicação social a Internet veio – tudo parece indicá-lo – para ficar.

A tecnologia da rede digital está a gerar um novo paradigma de comunicação. Em tempos e modelos anteriores, tinha-se uma conceção mais linear do ato de comunicação e dos seus elementos: emissor, canal de comunicação, mensagem, contexto, recetor e efeitos nele causa-

dos. Na Internet, em particular nas redes sociais, a linearidade dá lugar à circu- laridade e à interatividade em vários níveis. O emissor e o recetor partilham o mesmo espaço que é o próprio canal de comunicação e as diferenças esbatem-se. Ambos têm de entrar nessa rede e fazerem-se representar através de uma imagem, perfil virtual ou morada que pode não corresponder, em absoluto, à realidade. O ato de emitir informação na Internet repercute não só sobre o recetor mas, desde o início, sobre o emissor. Surge assim nova horizontalidade na comunicação social: todos estão ao mesmo nível (comunicação e de afetação pelos seus efeitos), todos afetam (consciente ou inconscientemente) todos. A informação disponível circula e causa efeitos que ultrapassam a rede e atingem a sociedade e a sua dinâmica: a rede digital torna-se uma matriz social que altera o modo de lidar com o tempo, o modo de pensar, ler, de relacionar-se com a informação e de consumir. Um tal efeito comunicador afeta-nos como pessoas porque nascemos da comunicação/ comunhão inter-pessoal, através dela realizamo-nos e expressamos capacidade de transcen- dência, de superação pessoal e de busca de sentido que nos habita.

A Internet traz consigo consequência psicológicas. Menciono apenas algumas que me parecem relevantes. Antes de tudo uma experiência de poder, dada pela quase inesgotabilidade de recursos, pela amplitude da influência, pelo elevado número de pessoas com que entramos em contacto. Como toda a experiência de poder também a Internet tem o potencial para se tornar viciante: pode gerar a contínua necessidade de consultar ou receber informação ou correio eletrónico, de saber quem visitou certas minhas páginas ou vídeos, etc.

Por outro lado a Internet veio provocar uma alteração da forma de ler, pensar, de aprender, de chegar a conclusões. A enorme interatividade da rede, fonte de enormes benefícios e vantagens educa-tivas, traz também limitações de quem nem todos estão conscientes: excessiva ligação à imagem, à imediatez da localização dos recursos (com tendência a privilegiar e/ou reduzir a busca ao que está disponível na rede esquecendo outros meios de informação), um estilo de leitura demasiado superficial e descompro- metido que salta rapidamente de uns sítios para outros, paciência para uma leitura ponderada e crítica dos documentos (1).

Ainda em relação com o as- peto educacional enquadra-se a questão do respeito pelos autores dos materiais disponíveis e o plágio.

Um terceiro aspeto prende-se com a noção de amizade que as redes sociais desenvolvem: amizade corre o risco de ser confundida com o número de pessoas que querer aceder a uma página social, a quantidade de informação pessoal partilhada ou a pressão de grupo virtual. Junta-se a esta a falsa sensação de privacidade e segurança: a realidade é diametralmente oposta. Na rede nada é privado ou rigorosamente seguro. Toda a informação dispo- nibilizada será (mais cedo ou mais tarde) vista por outros e é difícil retirá-la da rede. Este facto deveria servir para desenvolver a prudência sobretudo na comunicação de dados e acontecimentos privados e relevantes na história pessoal de cada um, evitando que este recurso digital passe de rede (net) a teia (web) onde facilmente nos enredamos e podemos

vir a ser vítimas de predadores de todo

o tipo.

A Internet remete assim, necessariamente, para a questão ética (de um bom ou mau uso de toda a criação cultural, de uma utilização que humaniza e realiza o ser humano ou que o degrada e destrói) e para os perigos da sua utilização.

Para a experiência religiosa e para a fé cristã em particular, a Internet apresenta-se igualmente fascinante e desafian-

te. A potencialidade de transmitir con- teúdos cristãos de modo interativo, ape- lativo e universal é hoje um facto. O leque de oferta é variado: propostas de ora-

ção, académico-formativas, da partilha pessoal. Saliento sobretudo a oferta pela Internet de experiências de acompanhamento espiritual (Exercícios Espirituais, por exemplo) com tudo o que isso implica de partilha pessoal.

Sem diminuir nada ao valor e enorme importância e alcance da presença e da mensagem cristã na Internet lembro contudo que a comunicação entre pessoas não é só digital mas também analógica, como teorizou P. Watzlawick. Na comunicação entre pessoas entra também o elemento fundamental da corporalidade: a presença física mútua, os gestos corporais e os silêncios que a expressam e acompanham, dando-lhe profundidade e densidade. A experiência cristã radica neste acontecimento de presença interna de Cristo, da sua corporalidade a cada um de nós e faz-se presente em cada encontro interpessoal. No centro da experiência cristã está um homem oferecido na sua corporalidade na qual o Espírito é dado: corpo e sangue entregues que na nossa corporalidade devem ser recebidos. A sacramentalidade do amor de Cristo requer esta presença corporal direta para a qual o espaço digital da Internet constitui, apesar de toda a sua extraordinária riqueza, uma distância e pobreza.

O grande desafio religioso que a Internet coloca aos cristãos talvez seja, afinal, o de, pelo modo como estão presentes aos outros, pela verdade, no respeito, pelo genuíno interesse pela vida e realização daqueles com quem comunicam, da sua própria e do mundo, gerarem relações de confiança e generosidade que se concretizam depois também no acolhimento presencial direto e profundo das suas condições de vida, no compromisso efetivo para fazer do mundo um espaço de realização humana integral.

Teresa Messias
Professora Faculdade de Teologia - UCP

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(1) Cf. Beytía, Juan Cristóbal, “La cultura juvenil y sus desafíos”, Revista de Espiritualidad Ignaciana (CIS) 117 (2008), 13.

 



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