Dossier

Servir a verdade, servir as pessoas

D. António Marcelino
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Sempre aceitei e defendi que as minorias, sejam elas quais forem, têm direito a ter voz e voz que se ouça. Não, porém, que queiram passar pelo que não são, abafando outros com igual direito, mas não do mesmo sentido. Entre nós há minorias, muito minorias, que têm sempre um microfone, uma câmara, um jornal disponível para elas. Para muitos outros não há igual disponibilidade. Quem ouve as que falam pode julgar que todos pensam como elas. Pôr-se no bico dos pés para dar a ideia que já é grande é uma tentação para muita gente. Alguém clamava há dias na televisão que os pais não queriam a aula de educação moral e religiosa no primeiro ciclo. Nem mais. Se o País fosse feito de tolinhos, teria logo pensado que assim era. Porém, milhares de pais matricularam livremente os seus filhos, desmentindo o dizer da meia dúzia que teve acesso ao microfone. Quem viu televisão nas últimas semanas podia ter pensado que as universidades estavam todas fechadas, que a guerra das propinas fora ganha definitivamente e os professores iam todos emigrar por se tornarem dispensáveis. Porém, em muitas escolas superiores as coisas corriam com normalidade. Os que gritavam pelas ruas com a televisão atrás deles não passavam de uma minoria no universo dos alunos seus colegas. De quando em quando, aparecem pessoas isoladas, em horários nobres das televisões ou em primeiras páginas de jornais, a defender projectos estranhos de família, sem que deixem margem a que se pense de outro modo. Os que ousarem fazê-lo, cai-lhes em cima uma mão-cheia de nomes, tão gratuitos como ofensivos. Todos nos interrogamos por que motivo há gente que aparece todos os dias com microfone na mão e em imagem de primeiro plano a falar quanto tempo quiser e para dizer o que quiser, e a outros, que vale a pena ouvir sempre, se lhes dá, por esmola, minuto e meio para responder a uma pergunta tola que demorou três minutos a formular. A quem aproveita, é outra interrogação pertinente, e o que está por detrás da devassa vergonhosa que se faz impunemente da vida de pessoas que nem sequer se podem defender ou, quando se lhes permite que o façam, saem mais humilhados do que o foram antes. Quando a objectividade não se respeita, abre-se a porta às arbitrariedades e injustiças, e o direito passa a ser apenas de alguns. Assistimos estupefactos aos sempre condenados sem julgamento, e aos sempre inocentados, mesmo que os indícios de inocência não sejam claros. Servir e respeitar a verdade é servir e respeitar as pessoas. Passou o tempo das cruzadas. Agora só as fazem os que gostam da noite e para quem a verdade é sempre e só a dos seus interesses. António Marcelino


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