Dossier

Setúbal - Trinta Primaveras

Eugénio da Fonseca
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Mil novecentos e setenta e cinco! Ano do chamado “verão quente”. Período pós revolução particularmente activo e participado em Setúbal. Os católicos praticantes eram, pelo último censo de então, menos de 5%. O Cónego João Alves, Vigário Episcopal, agora insigne Bispo Emérito de Coimbra, preparara os cristãos mais activos e cuidara da organização necessária para o nascimento desta Igreja Particular, geograficamente, confinada à Península de Setúbal. No dia 16 de Julho de 1975, da Santa Sé chega a feliz notícia da criação da Diocese de Setúbal, tendo como irmã gémea a estimada Diocese de Santarém, e da nomeação do seu I Bispo D. Manuel Martins, ordenado no dia 26 de Outubro do mesmo ano, na Igreja de Santa Maria da Graça, elevada a Sé Catedral. Grande era a expectativa sobre este prelado que vinha do presbitério do Porto e colaborava de perto com o inesquecível timoneiro da Igreja portuense e notável Apóstolo da Igreja Universal, D. António Ferreira Gomes. Muitos dos cristãos católicos de Setúbal haviam marcado uma posição de reacção aberta ao regime ditatorial, que nos governou durante quase 50 anos, tendo o Cónego João Alves mantido sempre uma atitude de não colaboração com o regime agonizante. Mesmo assim houve uma ténue resistência de grupos da chamada extrema-esquerda que esboçou uma arruaça durante a cerimónia da ordenação do novo bispo, que João Alves facilmente sanou. E D. Manuel Martins inicia o seu ministério episcopal com muita humildade e permanente contacto com as gentes de Setúbal, procurando que a vivência da fé não fosse, de forma alguma, desen-carnada da vida quotidiana, então frutuosa em acontecimentos convulsivos, e aparecendo sempre ao lado dos mais fracos e desprotegidos. Com este proceder o Bispo foi dando um testemunho de muita proximidade com os pobres para exemplo dos restantes cristãos da Diocese. Entrando no clima explosivo de ânsia participativa das pessoas de Setúbal, num ambiente muito politizado pelos numerosos problemas sociais desta zona, inicia também na vida da nova diocese um processo participativo dos cristãos, criando a Assembleia Diocesana, revelando-se uma experiência pastoral inovadora que muitos questionaram. Viveram-se tempos de grande participação dos cristãos na vida e nas exigências que se apresentavam à Igreja de Setúbal. A consciência duma “Igreja dos pobres” ia-se formando e consolidando, tendo o seu corolário na década de 80, com a grave crise socioeconómica que assolou o país e, de modo profundo, a Península de Setúbal. É evidente que uma Igreja assim ia igualmente despertando algumas reacções negativas que, no entanto, D. Manuel ia ultrapassando, ao mesmo tempo que se ia afirmando até diante do poder político de então – a sua voz chegava aos corredores dos ministérios, em Lisboa. Porque os governantes não quiseram dar ouvidos às denúncias de fome que se instalou em muitos lares como consequência da elevada taxa de desemprego, que chegou a atingir o dobro da média nacional, D. Manuel teve a iniciativa profética de criar o Fundo Diocesano de Solidariedade, com o qual mitigou muito sofrimento, tendo levado o governo a assumir a verdade dos factos e a desenvolver um Plano de Emergência específico para esta zona do país. Muitas reacções adversas, vindas muitas vezes de onde menos se esperava, foram enfraquecendo as forças e a saúde deste “Bispo incómodo”. E resigna, amando Setúbal, levando Setúbal no seu coração e deixando uma Igreja conceituada na grande maioria das mentalidades fosse qual fosse a sua ideologia ou credo. Sucede D.Gilberto Canavarro dos Reis, personalidade diferente, homem de oração e fé profunda, de um enorme amor e dedicação à Igreja que lhe foi confiada. Há sete anos que conduz, sem descanso, esta pequena parcela do Povo de Deus, preocupado, como o “Bom Pastor”, em trazer para “o redil as ovelhas dispersas”, suscitando múltiplas iniciativas pastorais e procurando actualizar e consolidar as estruturas que as suportam. Foi marcante o dinamismo evangelizador que imprimiu à celebração do Grande Jubileu do Nascimento de Jesus Cristo, não regateando esforços para que o anúncio da Boa Nova chegasse, nesse ano, a todos os cantos da Diocese. E foi tal o impulso que, de imediato, lançou o desafio à sua Igreja de viver ao ritmo das exigências que brotam da Eucaristia, antecipando-se, providencialmente, à iniciativa de João Paulo II. Nos próximos três anos, os católicos de Setúbal terão a oportunidade de se aproximar, conhecer e amar mais a Sagrada Escritura, criando melhores condições para levar a Palavra de Deus para a vida. Novos sacerdotes vêm para a Diocese, jovens e dinâmicos, alguns se vão formando aqui mesmo no nosso seminário, e a vida desta “Igreja local” continua com os seus movimentos e as suas paróquias em plena actividade. Passados trinta anos de vida é imperioso louvar o Senhor pelas maravilhas que realizou na Igreja de Setúbal e através dela, pedindo-Lhe que não nos deixe esta Sua Igreja cair num certo enquis-tamento sobre si própria, ou em estra-tificações hierárquicas que façam perder o sentido de Povo de Deus que caminha unido em direcção à Bem-aventurança eterna. Setúbal é uma Diocese de missão! Assim o compreendam os cristãos em geral! Assim se renovem e vivifiquem as nossas paróquias! Eugénio Fonseca


Diocese de Setúbal