Dossier

Sistema prisional - Da indiferença à esperança

Pedro Vaz Patto
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As sociedades tendem, por vezes, a esquecer ou ocultar os seus aspectos mais tristes e sombrios, fingindo que eles não existem. É o que sucede, designa-damente, com a situação das prisões. Contra esta tendência, a Comissão para o Estudo e Debate sobre a Reforma do Sistema Prisional (CEDRSP) veio alertar para essa situação entre nós. Entre outros aspectos, veio colocar em relevo o facto de a população prisional portuguesa ser proporcionalmente mais elevada do que a da quase totalidade dos países europeus, quando os nossos índices de criminalidade grave e violenta são dos mais baixos. A que será devido este facto, quando a Lei vigente consagra já de forma clara a pena de prisão como um último recurso? A Comissão Nacional Justiça e Paz pretende contribuir para o debate destas questões, partindo de uma visão, inspirada no Evangelho, do agente do crime como uma pessoa que, apesar dos seus erros e da censura que estes merecem, não perde a sua dignidade, e a quem deve ser dada a oportunidade de recomeçar e se reconciliar com a comunidade a que nunca deixa de pertencer. A parábola do filho pródigo é, a este respeito, bastante eloquente. Mais do que apresentar sugestões legislativas, pretende renovar as mentalidades, contribuindo para que na opinião pública em geral, e entre os aplicadores da Lei, ganhe raízes uma maior sensibilidade em relação a esta função do sistema penal: a de permitir que os agentes do crime se reconciliem com a comunidade, reforcem os laços que os unem a esta, em vez de se acentuar a barreira de marginalização que os separa desta. Por este motivo, quer chamar a atenção para a importância da aplicação de penas alternativas (designadamente, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade) à pena de prisão, contrariando uma mentalidade corrente que associa as funções do sistema penal exclusiva ou predominantemente a esta pena. A prestação de trabalho a favor da comunidade é ainda muito pouco aplicada entre nós, mas tem notórias virtualidades na perspectiva que queremos pôr em relevo. Não deixa de ter características efectivamente sancionatórias, exprime a “dívida” que o agente do crime contraíu para com a comunidade e deve “saldar”, mas exprime também o facto de este ser uma pessoa válida e útil à comunidade e a importância de se reforçarem os laços fraternos entre ele e esta. Reconhecemos que, mesmo assim, nem sempre haverá alternativas à pena de prisão. Apesar dos malefícios que a esta estão necessariamente associados, precisamente porque contribui para criar barreiras entre o agente do crime e a comunidade, não podemos esquecer dois princípios. Um, o de que a dignidade do criminoso como pessoa não é anulada pela prática do crime, por maior que seja a gravidade deste (há que distinguir o erro e a pessoa que erra, o crime e a pessoa que o pratica), donde decorre que as condições de execução da pena de prisão nunca podem ser contrárias à dignidade da pessoa humana, sendo certo que tal pena consiste apenas na privação da liberdade (por si suficientemente gravosa), não em qualquer outro tipo de sofrimentos. Neste aspecto, as condições das nossas prisões, sobretudo por causa da sobre-lotação, estão longe do que seria aceitável. Outro princípio a ter sempre presente é o de que, mesmo que não haja alternativas à pena de prisão, nunca podemos desistir do objectivo (sempre proposto e nunca imposto) de reabilitação e reinser-ção do condenado. A execução da pena de prisão deve ser encarada na perspectiva da recuperação da liberdade, de modo a que, quando esta chegar, não seja previsível a reincidência. Esta é, de resto, a forma mais eficaz de proteger as potenciais vítimas e a comunidade em geral. No actual contexto português, assume particular relevo, como forma de combate à criminalidade, o combate à toxicodependência. Um e outro estão estreitamente associados. A toxicodependência também é, muitas vezes, um obstáculo à aplicação de pena alternativa à pena de prisão. Por outro lado, também por exigência do respeito pela dignidade da pessoa toxicodepen-dente, nunca podemos desistir da reabilitação desta, nem nunca ceder à tentação de a considerar irrecu-perável, limitando-nos a reduzir os riscos que corre ou os danos que pode provocar noutros. Daí a importância de proporcionar tratamentos, seja dentro da prisão, seja como alternativa a esta. São estes tratamentos que afastam definitivamente o perigo de continuação da actividade criminosa e garantem a segurança de todos. São estas, em síntese, as ideias expostas pela Comissão Nacional Justiça e Paz no seu documento “Estive na Prisão e Foste Ter Comigo” (na íntegra em cnjp.ecclesia.pt). A repercussão deste documento e o interesse que tem gerado na comunicação social, na Igreja e na sociedade civil, entre responsáveis e cidadãos comuns, deixa-nos a esperança de que possa contribuir para que deixe de permanecer esquecido este aspecto triste e sombrio da nossa sociedade, e algumas mudanças significativas se vislumbrem. Pedro Vaz Patto Comissão Nacional Justiça e Paz


Pastoral das Prisões