Dossier

Solidariedade Criativa

José Dias da Silva
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Neste tempo natalício, em que a paz na terra a todos os homens e mulheres de boa vontade parece descer dos pícaros da utopia até aos nossos corações, Bento XVI escolheu para o Dia Mundial da Paz, um lema que liga uma luta a uma construção: “Combater a pobreza, construir a pazâ€. A luta contra a pobreza é um combate que deve mobilizar todas as forças, instituições e de um modo especial a sociedade civil: “Particularmente a sociedade civil assume um papel crucial em todo o processo de desenvolvimento, já que este é essencialmente um fenómeno cultural e a cultura nasce e desenvolve-se nos diversos âmbitos da vida civilâ€. Já antes, logo a abrir, repete um apelo análogo do seu antecessor: “Trata-se de um problema que se impõe à consciência da humanidade, visto que as condições em que se encontra um grande número de pessoas são tais que ofendem a sua dignidade natural e, consequentemente, comprometem o autêntico e harmónico progresso da comunidade mundial†(1). Como se vê, não faz um mero apelo à boa vontade das pessoas. Não! Trata-se de “um papel crucial†porque se coloca no âmbito cultural, isto é, do próprio estilo de vida. Esta mudança de hábitos e de perspectiva tem de orientar-se pela prioridade que deve sempre ser dada aos pobres. Esta frase tão simples, aparentemente tão inócua por ser tão repetida, esconde todo um programa de acção. Primeiro a nível institucional com a definição de políticas correctas, adequadas à resolução deste problema tão dramático e lesivo para milhões e milhões de seres humanos, como tal “filhos de Deus†e, portanto, nossos irmãos e com iguais direitos aos bens da Terra. Mas só com uma forte e empenhada intervenção da sociedade civil será possível uma adequada integração a que os programas institucionais de ajuda dificilmente conduzem. Como a história ensina só é possível alcançar “boas políticas de desenvolvimento†se forem “confiadas à responsabilidade dos homens (e das mulheres) e à criação de sinergias positivas entre mercados, sociedade civil e Estadosâ€. Isto significa que o enorme esforço a desenvolver, sobretudo a nível de mentalidades, exige a colaboração da sociedade civil, em todos o seus âmbitos, não só como criadora de um ambiente mais sensível ao problema mas também como lobby para exigir dos poderes instituídos a implementação de “uma correcta lógica económica por parte dos agentes do mercado internacional, uma correcta lógica política por parte dos agentes institucionais e uma correcta lógica participativa capaz de valorizar a sociedade civil local e internacionalâ€. Facilmente se depreende daqui que não basta um exercício assistencialista resultante do voluntarismo primário e instintivo de todos nós. Torna-se, por isso, necessário (13): - envolver verdadeiramente as pessoas carenciadas; - mobilizar “homens e mulheres que vivam profundamente a fraternidadeâ€; - desenvolver uma “clarividente sabedoriaâ€, que dê prioridade às “exigências dos pobres da terra, superando o escândalo da desproporção que se verifica entre os problemas da pobreza e as medidas predispostas pelos homens para os enfrentarâ€; - combater as verdadeiras causas da pobreza, aquelas que “se abrigam no coração humano, como a avidez e a estreiteza de horizontesâ€; - “investir na formação das pessoas e desenvolver de forma integrada uma cultura específica da iniciativa†(11) e criatividade; - estabelecer, como pedia João Paulo II, um “código ético comumâ€, porque o fosso cada vez maior entre ricos e pobres “é de ordem tanto cultural e política como espiritual e moral†(8). O Papa propõe ainda que nos habituemos todos a olhar a pobreza a partir das crianças. Só assim é possível “reter como prioritários os objectivos que mais directamente lhes dizem respeito, como por exemplo os cuidados maternos, o serviço educativo, o acesso às vacinas, aos cuidados médicos e à água potável, a defesa do ambiente e sobretudo o empenho na defesa da família e da estabilidade das relações no seio da mesma†(5). Finalmente, embora o Papa não o refira directamente, a luta contra a pobreza é uma luta constante e nunca acabada, como dizia João Paulo II: “Uma caridade assim, actuada não só pelos indivíduos mas também pelos grupos e pelas comunidades, é e será sempre necessária: nada e ninguém a pode e poderá substituir, nem sequer as múltiplas instituições e iniciativas públicas, que também se esforçam por dar resposta às carências – muitas vezes hoje tão graves e generalizadas – de uma população†(ChL 41). Bento XVI repetiu o apelo: “Sempre haverá sofrimento que necessita de consolação e ajuda. Sempre haverá solidão. Existirão sempre também situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo†(DCE 28). José Dias da Silva, Membro da Comissão Nacional Justiça e Paz


Dia Mundial da Paz