Dossier

Solidariedade superior

Pedro Morais Barbosa
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Pedro Morais Barbosa, Associação de Acção Social da Universidade Lusíada de Lisboa

Escrever sobre a minha experiência de trabalho voluntário em Cabo Verde, enquanto membro da Associação de Acção Social da Universidade Lusíada de Lisboa (A.A.S.U.L.), acaba por ser muito pouco se apenas relatar acontecimentos. Aquilo que todos os anos nos faz embarcar nesta aventura, é muito mais do que a participação em actividades de ajuda humanitária. O essencial de tudo, aquilo que é invisível aos olhos, porque a mais das vezes unicamente pessoal, acaba por ser o que ganhamos nós mesmos por ajudar. A história da A.A.S.U.L. em Cabo Verde iniciou-se há dez anos. Desde aí, as actividades e as populações que connosco lidam, foram sofrendo as inevitáveis alterações resultantes da maturidade. Quer do grupo, quer daquilo que fomos construindo. Inicialmente começámos por ser vinte, apenas num local. A Assomada, na Ilha de Santiago. Progressivamente o grupo e os locais foram aumentando. Quando partirmos este ano, em Agosto, os voluntários serão 40, divididos por quatro locais, em três ilhas: Santiago, São Vicente e Fogo. A nível de trabalho, este varia de Projecto para Projecto. Se o ponto forte em São Vicente são as actividades com as crianças de três aldeias da ilha, já na Assomada, as campanhas de Evangelização ocupam lugar de destaque. No Fogo, a prioridade está no contacto com os presos e com a população de uma leprosaria. Mas se as actividades variam de local para local, o sustento de todos os voluntários é o mesmo: Deus. É Ele quem está presente em todos os pequenos gestos que realizamos, sendo nEle que encontramos o sustento de tudo o que fazemos. Sem a Sua presença, nada daquilo que fazemos teria sentido. Por outro lado, dois meses em Cabo Verde acaba por ser muito pouco. Quando partimos, a sensação de que muito, ou melhor, de que quase tudo ficou por fazer, é bem real. Até porque, a afinidade que estabelecemos com todos aqueles que se cruzam connosco, não se quebra facilmente com um simples adeus, embora sentido, no aeroporto. Mas se dois meses acabam por ser pouco tempo, não é menos verdade que são melhor do que nada. De facto, se partimos com a perfeita noção da incompletude do nosso trabalho, não é menos verdade que temos a certeza de que o pouco... acabou por ser muito para aqueles que, ano após ano, nos esperam. A carência destas populações, faz com que um simples sorriso nosso, ou uma pequena demonstração de carinho para com uma criança, se transformem, por vezes, no sonho de uma vida de quem está pouco habituado a este tipo de demonstrações. A A.A.S.U.L. é constituída por estudantes universitários. Nenhum de nós tem conhecimentos científicos que nos permitam realizar uma obra técnica. Mas todos temos em nós aquilo que, em muitos casos, falta à tecnicidade: a certeza de que o Homem é o eixo fundamental de toda a sociedade. É ao seu íntimo que procuramos chegar. É no essencial, e não na aparência, que queremos tocar. O gesto, o sorriso, o abraço, a amizade, a conversa amiga, o conselho íntimo... ganham contornos de tal forma grandes, que acaba por ser exactamente isso que é necessário, mais do que um hospital construído ou do que um professor numa escola. É que a pessoa precisa de se sentir bem, de se sentir amada, de se sentir querida... muito antes de ter hospitais que a curem e escolas que lhe ensinem. Sem reconhecimento, ninguém é alguém. A experiência pessoal, como referi, é sem dúvida a mais marcante. Dois meses de trabalho dedicado ao outro, são dois meses em que nos aperfeiçoamos e nos tornamos melhores. Quando optamos por trocar as férias de sempre no Algarve, pela entrega ao outro em Cabo Verde, optamos pelo crescimento e pela melhoria pessoal. Um crescimento enquanto cidadãos responsáveis pela sociedade que nos rodeia, mas também uma maturidade perante Aquele que é tudo: Deus. E se temos noção de que conseguimos tocar no outro, não é menos verdade que o outro toca em nós de uma maneira impressionante. Quando chegamos a Portugal, não raras vezes nos dizem: tu estás diferente. E é verdade. Uma diferença feita sobretudo da aceitação do nosso irmão, da tolerância, do desprendimento perante o material da vida... Uma diferença feita em Deus e por Deus. Se calhar, muito do que aqui disse é um pouco filosófico. Mas como referi, relatar factos acabaria por ser muito pouco, face à imensidão daquilo que nos acontece em Cabo Verde. O facto nada é, se desprovido da sua verdadeira natureza, do seu sentido íntimo. Peço desculpa se fui pouco objectivo, mas o voluntariado que realizamos em Cabo Verde, e que eu já realizei durante três anos seguidos, tem tudo de subjectivo e nada de objectivo. Pedro Morais Barbosa, Associação de Acção Social da Universidade Lusíada de Lisboa


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