Dossier

Sustentabilidade das ONGD

Catarina Lopes
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Catarina Lopes - Fundação Evangelização e Culturas

Sustentabilidade das ONGD Muitos são os projectos criados e as Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) que trabalham na Guiné-Bissau, operando em diversos sectores da sociedade civil. A presença destas ONGD prende-se à situação económica do país, bem como à incapacidade/dificuldade do governo para assegurar um desenvolvimento sustentável e durável. Deste modo , organizações guineenses – essencialmente surgidas nos finais da década de 80, início da de 90 – e estrangeiras actuam na área da educação, com vista ao desenvolvimento local. As intervenções podem variar em função das especificidades dos próprios organismos, dos locais de intervenção, das características do público-alvo. Educação e Saúde insurgem-se como calcanhar de Aquiles da sociedade guineense, sendo repetidamente referidos pelas comunidades locais como necessidades a suplantar para uma melhoria da qualidade de vida. As opções políticas encetadas após a Independência, numa tentativa de estender o ensino para todos, abriram brechas no sistema, ainda hoje visíveis. Os estabelecimentos de ensino são escassos para o número crescente de alunos; os professores insuficientes, sobretudo sediados nos grandes centros urbanos; a sua formação académica reflecte a precariedade do ensino. Em Julho de 2002, a Comissão Interdiocesana de Educação e Ensino (comissão da Igreja Católica) e a Fundação Evangelização e Culturas (ONGD portuguesa) promoveram um encontro de reflexão com as ONGD ligadas à educação. Das 10 organizações presentes, foi possível verificar que estas operam em todo o território, algumas incidindo mais na área formativa dos professores; outras na sensibilização através de actividades de animação cultural associada à escola; outras na construção e equipamento de escolas; outras reunindo cada uma das actividades referidas; outras ainda optam pelo ensino directo de alunos. Independentemente da sua actuação, a perspectiva em relação às escolas não se restringe apenas ao conceito clássico de ensino, mas ao de Educação no sentido amplo. Sabendo que os projectos têm uma esperança de vida definida no tempo, com inícios e fins calendarizados, algumas questões no decorrer destes contactos foram levantadas, equacionando-se o sentido prático, no seio de cada ONGD, do conceito de sustentabilidade. Quando concluído o período de existência de um projecto o que fica? Que repercussões têm os projectos para as comunidades? Actualmente as actuações de organismos não governamentais na Guiné-Bissau têm evidenciado uma preocupação no envolvimento participativo das comunidades locais. Com efeito, um projecto não é a mera expressão de um financiamento (embora, por vezes, seja um constrangimento), nem um reflexo de boas acções mais ou menos caridosas, mas uma vontade e um desejo de suplantar necessidades sentidas por grupos. O rótulo de “branco-rico†provém de uma história de anos de assistencialismo, desprovido de qualquer envolvimento das comunidades beneficárias. A um outro nível, as comunidades nem sempre solicitam o apoio que realmente precisam, confundindo, por vezes, uma dificuldade com uma necessidade. A comunidade de Bambadinca solicitou o apoio de uma ONGD local para construir um mercado para potenciar o desenvolvimento daquela zona. Passado um ano, o mercado está deserto, embora as infraestruturas tivessem sido construídas, encontrando-se os comerciantes junto às estradas para a venda dos produtos. Alguns projectos analisados neste encontro tiveram uma esperança de vida de 12 anos sem que, neste momento, se verifique mudanças sociais. Cumpriram-se os prazos, as actividades delineadas e programadas nos planos, sem impacto para além do afecto sentido pelos voluntários/ técnicos do projecto. A consulta e participação das comunidades na elaboração do diagnóstico constitui um elemento na sua apropriação em relação ao projecto. Nalguns casos – em consequência das restrições dos financiadores, a escassez de tempo para se efectuar uma consulta a priori junto das comunidades -, o diagnóstico é, por vezes, apressado ou inexistente, concebendo-se os projectos nas suas diversas fases sem o envolvimento efectivo das pessoas locais, os ditos “beneficiários†do projecto. Transforma-se assim o beneficiário de sujeito para objecto, mero elemento desprovido de voz e intervenção no processo. Daí que os projectos de Educação deixam de constituir uma mais valia para se apresentarem como um problema. Como podem professores e alunos trabalharem com livros, materiais doados, construírem outros materiais quando não foram envolvidos na sua construção? Pensar-se em desenvolvimento é pois ter a consciência que o impacto dos projectos é longo e lento (dificilmente confinado no calendário de um ano), não residindo o seu sucesso apenas no financiador e executor de projectos, mas no actor principal: as comunidades locais. A construção dessa sustentabilidade ultrapassa assim a régua e o esquadro de executores dos países do norte para ser entendida e compreendida como uma mudança na qualidade dessas comunidades.


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