África está na ordem dia, nesta altura em que prosseguem os preparativos para o próximo Sínodo dos Bispos marcado para o mês de Outubro, subordinado ao tema «A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz. “Vos sois o sal da terra e a luz do mundo” (Mt 5, 13.14)». Trata-se de um lema muito oportuno, pertinente e actual, que terá de iluminar as reflexões teológicas elaboradas neste continente, configuradas numa ciência intitulada «Teologia Africana», que continua à procura de um lugar ao sol, pois a sua afirmação e a sua maturação surgem como desafios a ter em conta.
O caminho é longo e espinhoso. Porém interessante, envolvendo teólogos desta mesma região, incentivando-os a encontrar fundamentos e métodos adequados para que a sua linha de pensamento seja coerente, operativa, devendo, ao mesmo tempo, primar pela comunhão e pela ortodoxia. É indispensável este reparo, pois, durante muitos anos, a reflexão africana foi elaborada sem ter em conta algumas notas que são indispensáveis para uma «verdadeira teologia»: a falta de espírito de comunhão era um dos dados mais salientes que não se fazia sentir, apesar das suas preocupações serem sociológica e pastoralmente válidas. Ora, a falta da observância desta comunhão corresponde também ao «esquecimento» das orientações do Magistério. Nesta toada, registou-se uma série de autores e correntes que, apesar do seu impacto no mundo intelectual, não espelhavam uma catolicidade sã.
Nesta linha figuravam os dois malogrados intelectuais camaroneses de referência, nomeadamente Jean-Marc Ela e Engelbert Mveng, promotores e defensores convictos de uma teologia africana da libertação, que se situou bem próxima do pensamento latino-americano cuja ortodoxia esteve sempre em causa. Ao lado destes dois pensadores alinhou sempre o outro camaronês, Fabien Eboussi-Boulaga, tendo formado um «trio» que conquistou muitos discípulos, no que toca não só ao campo da reflexão, mas também ao domínio prático da inculturação.
Para dar outra vitalidade à esta ciência surgiu a ala protestante, liderada pelo congolês Kä Mana, propondo a Teologia da Reconstrução. Esta «novidade» colocou, assim, duas correntes bem diferentes no mundo teológico africano, que dominaram o panorama durante muitos anos: a teologia da libertação, representada pela escola camaronesa e a teologia da reconstrução, tendo como grandes protagonistas o já referido congolês (Kä Mana) e o queniano Jesse Mugambi. Neste mesmo contexto, seria injusto não referenciar a outra ala situada num espaço próprio, que é a escola congolesa: a da Teologia da Inculturação, com nomes sonantes como Ngindu Mushete, François Kabaselé, Tarcise Tsibangu e Léonard Nsatedi.
Se a ala camaronesa realçava a necessidade de a reflexão considerar sobretudo a realidade sóciopolítica local, para que a teologia africana não caísse no vazio, devendo encontrar soluções concretas aos problemas que afligem o povo, para que este possa experimentar a sua libertação, a escola protestante também defendia quase o mesmo objectivo, acentuando, todavia, o processo da reconstrução do homem africano e das suas estruturas. Porém, uma posição bem diferente era sustentada pela tendência con-golesa, centrada na inculturação do Evangelho em África, um processo que teria a missão de revalorizar a cultura tradicional local…
Para equilibrar o panorama surgiu a escola lusófona que parte do termo «reconstrução» preferido pelos protestantes, mas acrescentando-lhe, de uma forma evidente, o adjectivo «africano», para realçar o contexto e os autores (África e os africanos) deste trabalho, que primam pela ortodoxia, espírito de comunhão e rigor científico, articulando a teoria à prática, na linha da epistemologia e numa «Igreja Família de Deus», evitando que os ideais propostos sejam meros desejos, sem qualquer valor prático e peso científico. Daí, a actualidade e a per-tinência da Teologia Africana da Reconstrução, elaborada no mundo lusófono, como forma de um contributo peculiar ao avanço do pensamento teológico e do crescimento da Igreja que está em África.
Pelos vistos, terá chegado o momento para a África lusófona se afirmar no âmbito das investigações científicas, quebrando a hegemonia patenteada pelos francófonos e anglófonos. E esta viragem parece ser muito oportuna, pois o desaparecimento físico, primeiro, de Engelbert Mveng e, recentemente, de Jean-Marc Ela poderá vir a ser um «sinal» do fim de uma era e de uma corrente teológica, que agora necessitam de uma viragem. Para isso, a Teologia Africana da Reconstrução da escola lusófona tem uma palavra a dizer.
Esta realidade será, certamente, contemplada pela próxima Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, que deverá iluminar ainda o pensamento teológico africano, salientando os seus fundamentos e dando orientações necessárias, tendo a reconciliação, a justiça e a paz no horizonte…
Pe. Muanamosi Matumona,
Teólogo angolano (Diocese do Uíje)