Dossier

Turismo: a pastoral das oportunidades perdidas

Pe. Rui Pedro
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1. Em continuidade com o Congresso de Éfeso, de há 6 anos, na Turquia, realizou-se, desta vez em Banguecoque, na Tailândia, o VI Congresso Mundial da Pastoral do Turismo. O Congresso, momento de escuta e de partilha importante para a Igreja no mundo, foi promovido pelo Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes/CPPMI, com a colaboração da Comissão Católica do Turismo/CCT da Conferência dos Bispos da Tailândia: “a terra dos mil sorrisosâ€. Escolheu-se esta cidade – meta importante do Turismo na Ãsia – para se entender melhor as implicações do fenómeno turístico sobre a comunidade que acolhe, de modo particular, quanto aos efeitos nefastos. Outra razão foi dar visibilidade e credibilidade à minoritária comunidade católica desta nação monárquica e “budista†de 62 milhões de habitantes, onde a Igreja não atinge os 300.000 baptizados, apesar dos quase 400 anos de evangelização, desde que em 1567 os portugueses desembarcaram naquelas paragens. Durante 4 dias reuniram-se “em congresso†perto de 120 delegados – muitos padres, duas dezenas de bispos e poucos leigos – oriundos de 35 países de todos os Continentes. Presidiu o Cardeal Stephen F. Hamao, presidente do Conselho Pontifício e delegado do Santo Padre para as preocupantes questões da crescente Mobilidade Humana. 2. Além dos representantes das várias Conferências Episcopais (recorda-se que Portugal esteve presente nas pessoas do presidente e secretário da Comissão Episcopal de Migrações e Turismo/CEMT) que apresentaram a situação de cada Igreja local. Intervieram, entre outros: Francesco Frangialli, Secretário-geral da Organização Mundial de Turismo/OMT e professores universitários que estudam a Antropologia, Sociologia e Sustentabilidade do Turismo. Os congressistas dedicaram particular atenção ao testemunho dos operadores pastorais envolvidos na prevenção e combate ao “Turismo Sexualâ€: apoio social e legal às vítimas, promoção de legislação internacional de criminalização dos clientes, denúncia e punição dos “abusadores†no país de destino e no de origem, segundo as Convenções em vigor. Debateu-se a questão do combate ao “turismo sexualâ€, ao tráfico de menores (meninos e meninas de rua e crianças escravas trabalhadoras) e de mulheres “prostituídasâ€, com especial incidência na Ãsia do Sul (Nepal, Bangla-desh, China, Filipinas, Ãndia, Tailândia, entre outros), crime “organizado†contra a dignidade e direitos humanos que vai acontecendo sob a corrupção de muitos governos e forças policiais, sob negligência cúmplice de muitas cadeias de hotéis, agências de viagens e companhias aéreas. O fruto do trabalho das ONG e instituições da Igreja mostraram que é possível reduzir este flagelo vergonhoso e levar este combate a bom termo, mas é preciso uma forte cooperação internacional e inadiável trabalho de prevenção e erradicação da pobreza. 3. Na Igreja em Portugal, a temática do Turismo mereceu particular atenção por ocasião das últimas Jornadas Nacionais da Pastoral do Turismo, que se realizaram em 1997, em Viseu, sob a orientação da CEMT. Desde essa data, as iniciativas nesta área tem vindo a ser efectuadas, individualmente, por alguns santuários, associações, bispos e dioceses mais sensíveis. Porém, sem uma articulação que garanta a “conscien-cialização†e o necessário trabalho de conjunto que esta área requer no que concerne ao desenvolvimento dos aspectos positivos e potencialidade evangelizadoras, assim como na prevenção e erradicação dos seus aspectos mais nefastos para as pessoas, ambiente, planeamento, cultura, património, economia e direitos humanos. A falta de uma Direcção Nacional, integrada na Comissão Episcopal responsável pelo Turismo, que leve adiante uma reflexão articulada com Centros Académicos que já trabalham a nível teológico e pastoral esta realidade, que promova uma formação regular de agentes de núcleos nas dioceses, uma protecção da comunidade local, dos turistas defraudados e dos direitos dos trabalhadores – sejam portugueses a trabalhar em infraestruturas turísticas no estrangeiro, sejam imigrantes em Portugal – e que, enfim, facilite uma coordenação a nível nacional, tem adiado o investimento de recursos humanos, a captação de voluntariado cristão e intervenção social e ética da Igreja nesta realidade humana. 4. Na maioria das dioceses, a partir de um recente Inquérito sobre o Turismo feito pela Comissão Episcopal, sente-se a falta de uma consciência sobre a “oportunidade providencial†(EMCC, 9) que significa a Pastoral do Turismo para a renovação missionária das comunidades, abertura ao encontro de gentes e acolhimento de povos que nos visitam, quer a nível regional entre os portugueses turistas, quer a nível nacional e internacional, seja dos portugueses que viajam, quer de estrangeiros (sem esquecer os “turistas residentesâ€!) que “passam†e “peregrinam†pelas nossas aldeias, cidades, ilhas, praias, serras, hotéis, museus, igrejas, termas, santuários, aeroportos e portos marítimos, entre outros. Aliado a um grande desconhecimento do magistério social da Igreja sobre o Turismo e insuficiente aplicação das directrizes indicadas no “Directório Geral para a Pastoral do Turismo†(CPPMI, 1969) e nas “Orientações para a Pastoral do Turismo†(CPPMI, 2001), constata-se nas dioceses, ainda um generalizado “preconceitoâ€, uma “análise superficial†e ausência do tema no planeamento pastoral, desta e outras dimensões da mobilidade humana que se tem traduzido na pouca consideração dos seus aspectos sociais, humanos, económicos, ecuménicos, laborais, legislativos, culturais e políticos. 5. O secretário-geral da OIT, durante o Congresso, afirmou que o Turismo se mantém uma das principais receitas do Comércio internacional, em comparação com as exportações de petróleo, géneros alimentícios e automóveis. Falamos do Turismo que fez de Portugal ao longo do ano 2003, terra de destino de perto de 12 milhões de pessoas, parte de um total mundial na ordem dos 694 milhões de turistas, segundo os dados fornecidos pela OMT. Tal como hoje acontece já para 38 % dos países da terra (Portugal é um desses beneficiários já há várias décadas!), o Turismo tornou-se o mais importante ramo do Comércio e uma das principais receitas nacionais. Sempre em 2003, esta mobilidade turística mundial não só garantiu o direito ao trabalho a 200 milhões de trabalhadores e empresários, como também produziu uma receita de 514 biliões de US doláres. Continua, assim, a emancipar da pobreza alguns países considerados do grupo dos mais pobres do mundo. Segundo projecções da OMT prevê-se um incremento mundial do turismo para 2020, na ordem dos 1.500 milhões de turistas internacionais. 6. A nosso ver, são duas, neste momento, as traves mestras que podem contribuir a uma mudança de mentalidade dos cristãos e renovação da Pastoral do Turismo. A primeira relaciona-se com o estudo e debate por parte do clérigos e leigos, paróquias e movimentos, e respectiva divulgação do Código Mundial da Ética do Turismo aprovado pela Assembleia-geral da OMT em 1999 e implementado por uma Comissão Mundial de Ética, em acção desde 2003. A abordagem ética-social permanece o necessário ponto de partida para a renovação. A segunda, baseada nas ousadas mensagens do Santo Padre para a Jornada Mundial do Turismo (27 de Setembro), deverá levar os cristãos - individual e comunitariamente - à prática de um Turismo, não apenas de consumo, visto na óptica comercial e do usufruto materialista, mas sobretudo, um Turismo “solidárioâ€, “responsávelâ€, “socialâ€, de “desenvolvimentoâ€, de “susten-tabilidade†promovido e participado na óptica humanista, cultural, social e espiritual que ajuda ao progresso, diálogo, paz e encontro entre os povos. A Comissão Episcopal espera poder vir a encontrar, nas paróquias e nas dioceses, aliados desta causa para uma Igreja que vive do “acolhimento inteligente†e o testemunha no mundo, como meio para vencer a fractura social e o desencontro entre povos e religiões. Rui M. da Silva Pedro Congressista


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