Dossier

Um ano de trabalho discreto e algumas decepções

Octávio Carmo
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O professor Catedrático Eduardo Borges de Pinho, da Faculdade de Teologia da UCP, passa em revista os avanços e recuos do caminho ecuménico ao longo de 2003

Agência ECCLESIA – Como avalia o caminho ecuménico no ano que passou? Borges de Pinho - O ano de 2003 não foi um ano de acontecimentos espectaculares no campo ecuménico, mas isso é normal. Neste campo da vida eclesial, como noutros, o mais importante passa pela consolidação quotidiana da relação entre pessoas e, neste caso, pela consolidação do relacionamento ecuménico 40 anos depois do Concílio Vaticano II, cujo avanço mais visível surge quando referimos que o caminho para a plena unidade é irreversível. AE – Assim sendo, que momentos positivos destacaria? BP – O primeiro aspecto positivo é que, apesar de se manter a tensão entre o Patriarcado Ortodoxo de Moscovo e Roma, o diálogo Católico-Ortodoxo deu sinais de continuar a avançar de forma paulatina, mas constante. Recordo, por exemplo, que em Fevereiro uma delegação sérvia visitou o Vaticano e que uma delegação da Santa Sé visitou a Igreja Ortodoxa Grega. Há, além disso, o simpósio promovido pelo Conselho Pontifício para promoção da unidade dos cristãos, em Maio, sobre o Primado do Bispo de Roma – uma questão que tinha sido avançada pelo Papa na encíclica “Ut unum sint” para ser reflectida em termos ecuménicos (“eu me reconheço chamado, como Bispo de Roma, a exercer este ministério (...). O Espírito Santo nos dê a sua luz, e ilumine todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas, para que possamos procurar, evidentemente juntos, as formas mediante as quais este ministério possa realizar um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros”, n.º 88). Um segundo aspecto refere-se à reunião de Janeiro de 2003 com representantes delegados das antigas Igrejas do Oriente, no Vaticano. Aqui foi estabelecida uma comissão mista para o diálogo teológico entre as Igrejas, o que é tanto mais importante quanto se prevê para as próximas semanas a primeira reunião da mesma. Em termos de amplitude numérica - falamos de mais de 200.000 pessoas - foi importante o Congresso Ecuménico de Berlim, realizado entre 28 de Maio e 3 de Junho, dado que pela primeira vez foi organizado em conjunto pelos cristãos católicos e evangélicos. A eleição do pastor metodista queniano Samuel Kobia como novo secretário-geral do Conselho Ecuménico das Igrejas (CEI) é outro dado de destaque, porque é a primeira vez que um ministro africano assume a liderança do CEI. A isto podemos juntar a eleição de um novo arcebispo da Cantuária, Rowan Williams. AE – Há a sensação, porém, de que este ano trouxe dificuldades novas para o campo ecuménico? BP – Duas preocupações persistem: a questão Ortodoxa Russa e a Anglicana. A leitura que eu faço é que nesta questão ecuménica temos de ter muita paciência, dar tempo ao tempo, sabendo que os passos pequeninos que são dados significam o aspecto mais decisivo – embora a assinatura de documentos e declarações conjuntas sejam fundamentais. Eu diria que 2003 trouxe duas “decepções”, porque, de facto, constitui uma certa decepção que o relacionamento entre o Patriarcado Ortodoxo de Moscovo e a Santa Sé não tenha conhecido melhoras. Há sempre pequenas e grandes areias na engrenagem e mesmo quando chegam alguns sinais de degelo surgem novos problemas. A outra decepção tem a ver com a evolução no campo das Igrejas da Comunhão Anglicana. Se bem que os problemas já venham de trás, com o acesso das mulheres ao ministério presbiteral e ao episcopado, a situação complicou-se com a ordenação de um bispo assumidamente homossexual na Igreja Episcopaliana dos EUA. A Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas consideram que este é um problema de fé e de moral, pelo que nessa linha a decisão de haver um compasso de espera é compreensível (em Dezembro passado a Igreja Católica e a Comunhão Anglicana congelaram uma declaração conjunta sobre a Fé, n.d.r.). A maior decepção surge porque se esperava que o desenvolvimento dos últimos anos pudesse levar a avanços da Comissão para a Unidade e a Missão, que foi constituída em 2001 e se destina a procurar uma afirmação comum da fé e caminhos próprios de unidade. Apesar de tudo, creio que, mesmo sendo inegável a decepção e a consciência de problemas sérios que se colocam no caminho ecuménico, há um elemento que é importante ter em conta: as relações entre pessoas e Igrejas não seguem um caminho linear e há avanços, paragens ou recuos, pelo que estes momentos de paragem podem servir a caminhada comum, sendo aproveitados para reexaminar erros passados e promover uma abertura de espírito que ajude a criar estruturas comuns.


Ecumenismo