Uma crise de desfecho incerto
Francisco Sarsfield Cabral
Na semana passada, o euro esteve à beira da derrocada. E com ele, a maior ou menor prazo, boa parte da construção europeia. À última hora foi possível evitar o desastre, com um programa que ainda terá de ser tecnicamente trabalhado e pormenorizado. Como se sabe, o diabo costuma estar nos pormenores.
Terá esta última cimeira mostrado uma nova atitude por parte dos dirigentes europeus, uma atitude mais decidida e mais consciente da urgência dos problemas? Ainda é cedo para saber. O que sabemos, isso sim, é que ao longo de meses e meses a zona euro multiplicou adiamentos, meias medidas, planos salvadores que, quando apareciam, já estavam ultrapassados pelas realidades…
Essa penosa e lamentável atuação dos dirigentes europeus teve várias consequências nefastas. Os sucessivos adiamentos de soluções realistas levaram ao progressivo agravamento dos problemas. E pensarmos nós que, em conjunto, a Grécia, a Irlanda e Portugal representam apenas 6% do PIB global da zona euro…
Depois, as indecisões europeias estimularam a especulação, que prejudicou os países em dificuldade, como Portugal, apostando na sua bancarrota. Mais grave ainda, o espetáculo de impotência política que a zona euro deu desde que rebentou a crise da dívida soberana da Grécia minou de forma profunda a confiança dos investidores. Uma desconfiança que apenas foi ligeiramente atenuada pelos resultados da cimeira de quinta-feira passada.
Existem, obviamente, falhas no edifício do euro. O Tratado da UE proíbe resgates de países da moeda única. Mas o que se está a fazer, afinal, senão isso mesmo, mais ou menos disfarçadamente?
Claro que o Tratado previa também o reforço da união política europeia. E esta é necessária para, nomeadamente, construir um esboço de governo económico europeu, capaz de representar uma contrapartida à mais federal instituição da UE, o Banco Central Europeu. Por isso alguns europeístas viram nesta crise da dívida soberana na zona euro uma oportunidade para fazer avançar o federalismo.
Trata-se de uma ilusão. Por um motivo simples: a maioria das opiniões públicas dos Estados membros da União não está para aí virada. Houve um tempo em que os eurocéticos britânicos constituíam uma exceção. Hoje, porém, o entusiasmo pelo projeto europeu arrefeceu notoriamente em muitos outros países.
Recordemos que a malograda “constituição europeia” (de facto, um tratado constitucional) foi chumbada através de referendos em duas nações fundadoras da integração europeia, a França e a Holanda. E as eleições diretas para o Parlamento Europeu (cujos poderes foram entretanto reforçados) registam cada vez maior abstenção, desde que se iniciaram em 1979.
Decerto que uma série de mudanças contribuiu para tornar a integração europeia aparentemente menos necessária: foi alcançada a paz na Europa (objetivo prioritário do movimento de integração), desapareceu o “cimento” agregador da Europa ocidental que era a ameaça do Império soviético, os americanos estão hoje mais interessados na área do Pacífico do que no continente europeu, a Alemanha atual – cujos dirigentes não viveram o nazismo nem a guerra - já não encara a Europa como uma via de regresso ao clube das nações civilizadas e não está disposta a pagar mais do que os outros, etc.
Permanece, no entanto, o grande trunfo da partilha de soberania. Unindo-se, os Estados comunitários têm mais poder do que atuando isoladamente. Ora numa época de globalização como a nossa é imperioso que o poder político prevaleça sobre o poder económico. Sem enquadramento político, como sucessivos Papas têm alertado, torna-se selvagem a globalização.
No fundo, a atual crise do euro apenas se resolve com mais Europa. Mas os políticos europeus das últimas décadas deixaram de ligar importância ao que pensam os cidadãos sobre a UE. Por exemplo, evitando referendos sempre que podem. É impossível construir uma Europa democrática mais unida nas costas dos cidadãos. Por isso a crise do euro é de desfecho altamente incerto.
Francisco Sarsfield Cabral, jornalista
Economia