Dossier

Uma cultura de paz

Elias Couto
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Intenção Geral do Santo Padre para o Apostolado da Oração – Setembro

Que os países que sofrem os flagelos da guerra, do terrorismo ou da violência possam encontrar caminhos de reconciliação, concórdia e paz. 1. Nos últimos anos, o terrorismo ganhou dimensão planetária. Os atentados de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, mantêm-se como símbolo funesto desta globaliza-ção. Apurando um conceito que vinha dos anos 70 do séc. XX, os promotores e agentes do terrorismo globalizado consideram que «ninguém é inocente» e, portanto, todos são alvos «legítimos» das suas bombas: membros de organizações internacionais empenhadas em ajudar os mais necessitados; pessoas que têm o «azar» de entrar num autocarro à hora errada; turistas ou outros, hospedados num qualquer hotel de um qualquer país… Para os terroristas, o «alvo» não importa, apenas interessa o efeito provocado nos vivos, naqueles que terão de viver com as consequências do terror. 2. Há quem considere que algumas pessoas ou instituições são «mais inocentes» do que outras, face ao terrorismo. A este respeito, são elucidativas as reacções face a dois atentados terroristas cometidos no mesmo dia: em Bagdad, um camião explodiu junto à sede da ONU naquela cidade; morreram 23 pessoas e várias dezenas ficaram feridas; foi uma comoção internacional; em Jerusalém, um suicida fez-se explodir dentro de um autocarro; morreram mais pessoas (incluindo várias crianças) e ficaram mais pessoas feridas do que em Bagdad; em alguns casos, porém, este atentado quase nem mereceu uma nota de rodapé nos noticiários. Subjacente a esta diferença de reacções, além do facto de em Israel tais atentados serem muito frequentes, parecia estar a ideia de que a ONU e seus funcionários eram «mais inocentes» do que os israelitas mortos em Jerusalém. Esta ideia apenas serve para justificar e alimentar o terror – e, não raro, é fruto de opções ideológicas, incompreensíveis a este nível. As vítimas do terrorismo são todas igualmente inocentes – e os terroristas devem sofrer condenação unânime. 3. Há uma racionalidade fria, monstruosa e muito prática no terrorismo. Esta racionalidade está presente de modo ainda mais estruturado na guerra, a forma suprema de violência. Gastam-se biliões de euros em investigação para criar armas mais eficazes, ou seja, mais mortíferas. Consomem-se incontáveis recursos a treinar homens e mulheres com um objectivo último muito claro: serem capazes de matar mais e mais eficazmente do que o eventual inimigo. E sempre em nome da defesa nacional. Os Estados têm, sem dúvida, obrigação de velar pela segurança dos seus cidadãos – e como o mundo não é perfeito e as pessoas não são anjos, devem dispor de meios eficazes, tendo em vista a defesa dos cidadãos e a protecção dos seus direitos. Muitos Estados, porém, gastam em meios bélicos bem mais do que o necessário para responder a essa exigência de segurança… ao ponto de deixarem milhares ou milhões dos seus cidadãos a viver em condições infra-humanas, enquanto gastam biliões de euros nas armas mais sofisticadas e terríveis, incluindo as nucleares. 4. Numa civilização assim marcada pela tentação da violência como modo de resolver conflitos, importa assumir as exigências de uma cultura de paz, a única que serve os interesses de toda a família humana. Esta cultura não será, certamente, ingénua – porque optar pela paz é bem mais exigente e difícil do que optar pela violência e pela guerra. Não será ingénua ao ponto de acreditar que todos estarão dispostos a fazer esta opção – pois há quem continue a considerar o domínio do outro melhor do que a convivência fraterna com o outro. Não será ingénua ao ponto de ignorar a necessidade de a defender – em circunstâncias extremas, o indivíduo pode sempre optar pela paz, mesmo quando lhe é imposta uma violência de todo injusta; não se pode esperar, porém, que as sociedades façam o mesmo, sobretudo quando está em causa a legítima defesa face a um agressor injusto. Não será ingénua, mas procurará com realismo adequar os meios aos fins que procura – e estes são, essencialmente, a convivência pacífica entre pessoas e povos e a criação de instâncias reguladoras dos conflitos que hão-de inevitavelmente surgir, resolvendo-os de modo pacífico e justo, ou impondo coercivamente as soluções mais justas, sempre que alguma das partes recuse a via pacífica. 5. Tendo em conta o poderio bélico actual, a alternativa a esta cultura de paz passa por conflitos cada vez mais mortíferos, mesmo que localizados, e até pela possibilidade de conflitos à escala planetária, com riscos para o futuro de toda a família humana. Encontramo-nos, pois, perante a necessidade de fazer opções exigentes e radicais. Para isso, nós, cristãos, temos Jesus Cristo, Príncipe da Paz, como referência primeira. Cumpre-nos ser dignos daquele em quem acreditamos, dando testemunho empenhado de um estilo de vida pacífico e respeitoso dos outros, alimentado pela oração ao Pai de todos e Autor da verdadeira paz. Elias Couto


João Paulo II