Dossier

Verdade para 2004

D. António de Sousa Braga
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D. António Braga, Bispo de Angra

Despedimo-nos há pouco de 2003, ano considerado difícil. Alguém diz que é para esquecer. Em perspectiva cristã nada é para esquecer. É para celebrar e “fazer memória†apesar de tudo, da presença salvadora de Deus na história da humanidade. Desafia a nossa fé o aparente silêncio de Deus, a forma tão discreta, com que encarna nas entranhas da história. Mas Ele é sempre o Emanuel: “Deus connoscoâ€. Este é o fundamento da esperança, com que o cristão começa o novo ano, que se afigura também difícil. Há quem diga que, em Portugal, começou mal. Será? Verbalizar os problema não é criá-los. É tomar consciência deles, para encontrar caminhos de solução. O facto de hoje se falar de tudo, de se comunicar, em tempo real, as reacções a questões candentes do momento presente pode criar uma sensação de mal-estar e, por vezes, desorientar as pessoas. Mas é melhor conhecer, do que andar anestesiados, relativamente aos problemas complexos da nossa sociedade. A vida cristã tem de se encarnar na realidade, para a iluminar e temperar com a luz e o sal do Evangelho da Esperança. Não podemos entrar em pânico. Há falhas no Estado de Direito, mas ele funciona. Conhecer as avarias é já o primeiro passo para as reparar. Este ano começa com alertas sérios sobre o funcionamento da Justiça e da comunicação social. Há contínuas violações do segredo de Justiça. É manifesto o empobrecimento mediát-ico do escândalo de pedofilia. Mas isso pode ajudar a sociedade a fazer um sério exame de consciência sobre um crime, tantas vezes coberto pelo manto do silêncio, o que criou uma certa presunção de impunidade. Para a Igreja, a pedofilia é uma desordem moral e gravíssima, que apela à transparência da verdade e da justiça, bem como à exigência inadiável da protecção das vítimas e da defesa das crianças. É verdade que todo o pecado tem perdão. Mas isso comporta arrependimento - quer dizer, o reconhecimento da própria culpa - e penitência, isto é, caminhada de conversão e reparação dos danos. Nunca em Portugal se falou tanto de justiça e nunca como agora, os leigos na matéria tiveram a possibilidade de entrar nos seus meandros. Apesar de todos os solavancos e para além das tentativas de descredibilizar a investigação, este início do novo ano faz-nos vislumbrar uma luz no fundo do túnel, que nos dá fundada esperança de que será feita justiça. Pelo menos é o que sentimos, no caso dos Açores. Muito antes de a comunicação social do Continente fazer eco do escândalo de pedofilia nos Açores, a investigação já estava em curso. E, neste início do ano, já está a dar os primeiros frutos, com vista ao apuramento dos factos. Isso é importante para tomar consciência do alcance do fenómeno e ultrapassar o ambiente de suspeição que se criou. Os açoreanos estão interessados no apuramento objectivo da verdade, para que os culpados sejam punidos e os inocentes absolvidos, para que as vítimas sejam assistidas e as crianças protegidas. Só a verdade é que liberta. Nesse sentido, confiamos plenamente na Justiça que está actuando com inteligência e discrição, para além dos boatos e das atoardas jornalísticas. D. António Braga, Bispo de Angra


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