Pe. José Agostinho de Figueiredo Sousa, scj, Director da Obra ABC
O Papa João Paulo II alerta-nos para a situação de miséria e extrema debilidade em que se encontram milhões de crianças, a viver gritantes situações de fome, abandono, marginalização, exploração. São crianças que não têm direito à infância, porque convocadas para guerras e exércitos, porque obrigadas a trabalhar, porque sós e abandonadas, órfãs da guerra, da fome, da SIDA…
Situação irreversível?
Perante esta reflexão que o Papa nos apresenta, podemos ser tentados a concluir que nada há a fazer, porque sempre assim foi e sempre assim será; por outro lado, podemos ser levados a pensar que é de facto uma situação muito triste, mas é algo que se passa bem longe de nós e que até nem podemos fazer muito para inverter este estado de coisas…
Puro engano! Nem são situações que aconteçam apenas lá longe, nem é verdade que nada possamos ou devamos fazer para as transformar. Felizmente, algo se vai fazendo já, do muito que há ainda para fazer.
(Re)construir vidas!
A Obra ABC (Amici Boni Consilii), como tantas outras por este país e por esse mundo além, procura responder a estas necessidades, tratando de acolher, proteger e preparar crianças com dificuldades familiares para um amanhã melhor.
O nosso dia-a-dia é vivido no sonho, às vezes na ilusão e outras na desilusão, de proporcionar melhores condições de vida às crianças e jovens que aqui acolhemos. São cerca de 50. Vêm de meios degradados do Grande Porto, provenientes de meios familiares com graves carências materiais, sociais e afectivas. Chegam-nos por indicação dos Tribunais de Família e Menores, a pedido das Comissões Municipais de Protecção de Crianças e Jovens, dos Serviços Sociais das Autarquias, das Escolas, a pedido da própria família ou de alguém que se preocupou com a situação de perigo social em que se encontrava a criança em questão.
Vêm e procuramos que aqui encontrem o ambiente familiar que habitualmente não têm em suas “casas”. A estas crianças, muito cedo marcadas pelo estigma da violência, da marginalização, dos maus-tratos ou do abandono, tentamos fazer crer que o futuro não tem que ser necessariamente igual ao passado, que não estão condenadas a viver eternamente sem carinhos nem afectos, sem amor nem amparo.
Objectivo prioritário é motivá-las para a escola, mostrando-lhes que, sem a devida preparação académica, dificilmente poderão inverter a situação que herdaram, a muito custo poderão singrar na vida. A escolaridade é muitas vezes completada ou complementada com cursos profissionais, para que possam assim daqui sair já com alguma orientação profissional. A par da actividade escolar, que é cumprida nas escolas oficiais da área, promovemos muitas acções na área do desporto, da música, das artes plásticas e dramáticas, da informática, etc. Para o desenvolvimento de todas estas actividades, é importante não só o trabalho desempenhado pelos nossos técnicos e funcionários, mas também a preciosa ajuda de voluntários e de estagiários de diversas Instituições de Ensino Superior e de Escolas Profissionais.
Uma área fundamental no nosso trabalho é o contacto frequente com as famílias, que podem ser as nucleares ou, na sua falta, a família alargada (tios, padrinhos, avós…) ou ainda famílias de acolhimento ou famílias amigas da Instituição que acolhem as crianças e adolescente ao fim-de-semana ou nos períodos de férias lectivas. O objectivo deste trabalho em proximidade é tentar ajudar as famílias a sair da situação de dificuldade em que se encontram e prepará-las para poder voltar a acolher estes seus membros que um dia precisaram de deixar o seu meio natural de vida. Será talvez o trabalho mais difícil que temos em mãos, mas os resultados positivos obtidos em diversas situações permitem-nos acalentar esperança no futuro.
Pela nossa experiência e a de tantas outras Instituições similares, acreditamos firmemente que a situação de fragilidade e de extrema carência em que se encontram tantas crianças da nossa sociedade não é irremediável nem irreversível. Para isso, é importante que ninguém fique INDIFERENTE e que todos se sintam RESPONSÁVEIS na construção de um mundo melhor, de uma sociedade mais justa, em que os ideais de Amor e Fraternidade que Cristo nos deixou vençam as lógicas da exploração e dos infindos atentados à dignidade e aos mais elementares Direitos da Pessoa Humana.
Pe. José Agostinho de Figueiredo Sousa, scj, Director da Obra ABC