Dossier

Voluntariado guineense

Miguel de Barros
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Miguel de Barros - Tiniguena (ONGD guineense)

Voluntariado guineense Há oito anos, participei numa visita de estudos ao sul da Guiné-Bissau, concretamente ao Rio Grande de Buba e a Lagoa de Cufada. Éramos uma dezena e meia de adolescentes guineenses, de diferentes escolas secundárias da capital, Bissau, que queriam aproveitar para entrar na aventura de conhecer algo desafiador e diferente. A experiência foi contagiante de tal maneira que, depois de uma semana, foi-nos difícil o regresso. Eram manchas de florestas sagradas, com vários tipos de animais, lagoa com água mansa; uma paisagem invejável com bando de aves à volta, “tabancas†com casas cobertas de palha e gente acolhedora. Mas havia crianças que caminhavam vinte a trinta quilómetros para ir a escola, as quais nem tinham paredes e tectos, pois, eram debaixo das mangueiras; os professores faziam um tremendo esforço para explicar a matéria na língua da etnia local, depois em crioulo e por último em português, sem nenhum manual. As crianças iam para escola sem comer e depois das aulas, tinham que ir para as “bolanhas†ajudar os pais na lavoura; as raparigas eram poucas, na medida em que ficavam em casa a aprender tarefas domésticas. No final da visita, o choque foi tão terrível que ficamos surpreendidos, tendo em conta a riqueza natural, cultural e a pobreza intelectual a coabitarem no mesmo local. Questionávamo-nos uns aos outros, sem saber a resposta. No mesmo país, os nossos colegas vivem e convivem com estas dificuldades, enquanto que nós íamos para a escola limpos e bonitos de carros, com os nossos livrinhos, tínhamos tempo para brincar e passear?!… Contudo, fizemos várias acções de sensibilização no regresso a Bissau, nas nossas escolas, rádios, televisão e depois tivemos a honra de receber em nossas casas os nossos colegas e amigos que tínhamos conhecido no interior do país, durante uma semana. No final, realizámos campanhas de angariação de fundos, que serviu para a construção de uma escola de ensino primário, numa das localidades visitadas. Sentimo-nos tão realizados e orgulhosos! Mas a verdade será dizer que neste momento, o diagnóstico do ensino guineense revela que o sistema está gravemente doente! O analfabetismo está na ordem de 63 %. O nível académico dos professores também é uma das preocupações, sendo 40,48% sem formação pedagógica (não têm diplomas). A classe docente é sinónimo de pobreza e desprezo, chegando ao ponto de ficar seis meses sem receber o magro salário que oscila entre 12 mil e 15 mil Fcfa (entre 18 e 24 €), motivando paralisações constantes das aulas durante vários. Em Bissau, há uma proliferação de escolas privadas, instituídas pelo Ministério da Educação, depois da liberalização política, mas sem poder de fiscalização deste, acabando por funcionar como escolas comerciais. Contudo, a população, consciente dessa dura realidade, começou a organizar com apoio de algumas ONGs Escolas Populares, existindo actualmente 360. Segunda a representação da UNICEF em Bissau, no ano transacto, 53% de crianças com idade para a primária, frequentavam essas escolas, sem qualquer financiamento do governo e, 88% delas passaram de ano, apresentando mais 20% da taxa de sucesso do que registada nas escola públicas estatais. Os pais desembolsam entre 1000 e 2000 Fcfa (equivalente a 1,5 a 3 €) o que serve para pagar os professores (na sua maioria jovens que concluíram o liceu) um salário que oscila entre os 25 mil e 35 mil Fcfa (entre 38 e 53 €). Depois daquela experiência única, a Tiniguena (organização guineense que promove anualmente estas visitas de estudo) continuou e continua a proporcionar às crianças de várias sensibilidades a conhecerem as realidades do seu país, incutindo-lhes a importância da gestão dos recursos naturais e humanos como uma opção durável e sustentável Hoje em dia, investir na Guiné-Bissau, ou melhor, ter um projecto de construção e a longo prazo no contexto que a Guiné-Bissau atravessa, como o sector de ensino exige, é uma prova e coragem cívica, paixão, determinação e de aposta no futuro e é preciso ter e saber a arte de o fazer! E, a Tiniguena recorre ao seu programa de Educação para o Desenvolvimento, através da vertente Ambiental, para nos permitir conhecer, amar e proteger a Guiné-Bissau. Transversalmente, qualquer acção educativa é marcada por métodos de trabalho em equipa, pela multiculturalidade, pela igualdade entre os sexos (aplicando, quando necessário, discriminação positiva), pela tolerância à ambiguidade, pelo valor da diferença e do alternativo através de intercâmbio de grupos de adolescentes e jovens rurais-urbanos, no âmbito da visita de estudos, local privilegiado de encontro de culturas, tradições e modernidades que coadunam com a cultura guineense. Em termos práticos, a acção tem de reflectir todos estes valores, sendo estes que dão consistência aos projectos no futuro, através da Geração Nova da Tiniguena-GNT (grupo de jovens voluntários que participaram nas visitas de estudo da Tiniguena) e às mudanças procuradas na sociedade em que se vão atingindo pela Educação para o Desenvolvimento, para os direitos humanos, para a cidadania e respeito pelo ambiente. Em termos conclusivos, as formações e intercâmbios realizados contribuíram para reforçar as competências de sucessivas gerações de alunos, futuros quadros do país, em termos de capacidade operativa da organização, sobretudo depois do conflito político-militar de Junho de 98-99. Miguel de BARROS Tiniguena (ONGD guineense)


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