Editorial

A Consoada

António Rego
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É arriscado alinhar o nosso pensamento apenas pelas emoções mais fortes e recentes. Ou por uma ideia que paira no ar, sem história nem consistência, vagamente conhecida como ‘opinião pública’. Há, de facto, uma camada superficial, espécie de magma gelatinoso onde assenta muito do “parece e diz-se†sem qualquer análise ou comprovação sólida. Não direi que o contrário – essa espécie de imobilidade esfíngica, indiferente a tudo o que mexe – é que sedimenta a verdade. Mas é no discernimento desta dualidade desconcertante que encontramos o sentido da vida. Um exemplo: corre, com alguma ligeireza, a ideia de que a família ‘acabou’, e agora se assiste a um agregado de pessoas, espécie de restos das roturas de casamentos, divisão jurídica dos filhos, escombros de conflitos e desamores mal resolvidos. Assim se lança na atmosfera, com alguns interesses de permeio, a ideia de que os paradoxos e patologias devem ser suporte de base à constituição e gestão da sociedade. E da família. Interessa distinguir a exposição das situações em flamejante espectáculo, da realidade que padece de acidentes e convulsões, mas se perpetua no inalterável da natureza humana. E aqui se reconhece que a família é o laço mais forte e profundo da vida social, elo de proximidade entre as pessoas, em ligação com a terra, a cultura, a história, oportunidade de partilhar ideias e afectos. Um livro ora aparecido, ‘Família em Portugal’, da socióloga Karin Wall ( que se tem dedicado, desde os anos oitenta a este tema quer no Norte do país quer na emigração) oferece-nos dados preciosos de análise da família em Portugal. Sem pretender doutrinar sobre o óptimo, o bom e o mau, faculta-nos, em 700 páginas, com números e quadros, elementos de reflexão sobre a importância da instituição familiar (para diversos tipos de pessoas), o significado do casamento religioso e civil, dos filhos, dos lugares tradicionais e novos, da mulher no trabalho e na casa, e de variadíssimas novas ambiências que nos relançam questões antigas e modernas da família. Sem pretender extrair uma conclusão única, infere-se uma importância decisiva da família como instituição, como elo de referência fundamental na vida dos indivíduos e das comunidades. O Natal, também neste aspecto constitui um momento desconcertante de coser, como desiderato ou utopia, todas as roturas de famílias, casais e filhos, num reencontro que um acidente não permite que seja permanente e profundo. A Consoada ainda que ceia fugaz, ainda mantém, para quem não encontra outro significado religioso, a nostalgia duma família que todos gostaríamos de ter na lareira significante do fundamental do nosso afecto. A isso não é indiferente a figura de Jesus, no Presépio. António Rego


Reflexo