A Fórmula 1 das bombas
Falar outra vez sobre a guerra? Não estará tudo dito? Não estarão todos fartos?
Matéria delicada, esta. As pessoas desabafam o seu cansaço e todavia não conseguem desenvencilhar-se do que as cerca, preocupa e referencia em todos os momentos. Mesmo quando detestam a morte não conseguem, diante do morto, mudar de registo. Ou fogem uns instantes para de novo lá regressarem. A vida tem destas coisas que não sabemos explicar, mas sabemos que existem. Haverá algo de mórbido nesta repetição circular das coisas, mesmo intercalada por um jogo de futebol ou uma história emocional, fictícia ou não, que entretém os sótãos das imaginações ensombradas de medos. Os media sabem disso e não largam um tema, doloroso embora, que ande a roer o íntimo das pessoas. (No meu pequeno rádio ouço, ao fundo, um repórter entusiasta que deve estar a falar da guerra. Mas a música do seu linguajar podia ser de um relato de futebol ou de um desfile de misses).
Anda longe e perto, esta guerra. Pagamos alto o preço da informação. O desassossego dos nossos corações faz-nos andar de Pilatos para Caifás sem saber onde paira a verdade e a justiça. Chovem opiniões, pareceres, sentenças inúmeras sobre os nossos espíritos conturbados. Entre comentador, cabo e comandante, cada qual debita a sua sentença sobre o político e o militar, o ético e o moral, o aplaudido e o reprovável, o princípio e a prática.
Precisamos, talvez, de acontecimentos semelhantes aos que agora decorrem para recentrarmos as nossas vidas e percebermos por onde anda o nosso coração. Continuam roubos, corrupções, crimes, injustiças, entre nós e no resto do planeta. Mas o ruído da guerra é mais alto e catalisador dos nossos sentimentos. De tal forma que, face ao espectáculo, perdemos o sentido do que, na existência, ocupa o primeiro ou o último plano. Bom tempo este para uma reflexão sobre a vida, os valores, a razão, a solidariedade, a distância e a proximidade da nossa história com outras histórias já vividas e repetidas.
E para os cristãos a premente questão do projecto de Deus acerca do mundo, deste e do outro, referido sempre ao mistério da salvação já realizado e ainda não acontecido em plenitude, nesta complexa luta entre o tempo e a urgência da redenção.
A guerra não pertence apenas aos militares e aos políticos. É um prolongamento do batimento comum do coração humano. Por África, Ásia e Américas, países e povos haverá inteiramente alheios a este prélio, relatado pelos ricos como se fora um jogo de futebol ou uma estridente corrida de Fórmula 1. Mas todos vamos pagar caro este jogo mesmo que, de momento, possa trazer alguns lucros de bilheteira.
António Rego