Editorial

A idade da inocência

António Rego
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Os meios de comunicação social andam por aí, com cara de novidade, apenas a dizer em voz alta o que todos já dizem em voz baixa. Caixa de ressonância do melhor e do pior do coração humano, ampliam, com as gralhas da pressa, o que se diz à boca pequena, sem hipótese de medir as consequências. E, quando menos se pensa, geram criminosos ou heróis, perante a cumplicidade, rejeição ou indiferença, daqueles que os sustentam com impostos directos ou com venda da fantasia a prestações. Na avalanche da informação de hoje, há casos, nomes, escândalos, réus, vítimas. Pessoas. Há, possivelmente, inocentes lançados às feras viperinas da praça pública, sem capacidade para defenderem publicamente a sua dignidade. Há acusados que, tanto inocentes como culpados no veredicto final, dificilmente se sentirão libertos do pesadelo que os esmaga. Mas o que há, inequivocamente, são crianças, com traumas físicos e morais irreparáveis, usadas cruel e levianamente como mercadoria de prostituição. Crianças, na sua maioria, pobres, indefesas, sem família, sem protecção personalizada, feridas na idade da inocência mesmo que, na sua infância ou adolescência, em pleno uso de razão, pudessem ter dito sim ou não às propostas que criminosamente lhes foram feitas. Importa, ainda, olhar outra vertente desta complexa teia: a forma como o jogo do sexo, expressa ou subliminarmente, é lançado, em muitos casos, na informação, no divertimento, na publicidade, na linguagem pública e despu-dorada de muitos agentes mediáticos. Assiste-se, muitas vezes, a falsos gritos de libertação, como se se tratasse de uma vitória sobre tabus, iludindo liberdade com libertinagem. E até parece que só agora a sociedade acordou para o pecado de ofensa aos inocentes, crianças e adolescentes que, mesmo nas suas irreverências, não deixam de ser inocentes. Não se pense que, com isto, se ressuscitam velhos fantasmas de culpabilidades. Estamos perante um acontecimento de carácter moral. E a moral não é a birra de um qualquer tirano. Está inscrita no íntimo da natureza humana. Mesmo que Deus e os homens perdoem, a natureza nunca perdoa. António Rego


Reflexo