Editorial

A lídima teoria da paz

António Rego
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Temos sempre dificuldade em ingerir doutrinas apenas pela via especulativa. Andamos hoje mais marcados pelos factos que geram teoria do que pelas teorias que fazem acontecimentos. Se se trata de vício ou virtude, o tempo encarregar-se-á de dizer. Mas a experiência vai-nos ajudando a compreender o sentido da vida, a importância da história, e até a nossa aproximação de Deus através da fé, e a mensagem de Deus através do rosto, da palavra e dos actos do Seu Filho. A Quaresma deste ano chega num momento complexo da nossa história. Aparentemente já sabemos quase tudo o que se desenha no desfecho da construção da guerra nos gabinetes e da paz nas ruas. Independentemente das intenções dos estandartes que tentam liderar as multidões para o não à guerra, reconhece-se que uma vaga forte, de fundo, irrompeu do coração de muitos milhões de homens e mulheres, no sentido de recusar até ao limite do possível, a decisão de decretar a guerra como resposta cega ao terrorismo que no 11 de Setembro irrompeu da forma mais espectacular de sempre. É nesse contexto que nasce o tempo quaresmal de 2003. E com o Papa, que se não tem cansado de implorar a Deus e aos homens pela Paz, a propor um dia de penitência, oração e jejum pelo dom divino da Paz. Isto quer dizer que a Paz não é apenas o fruto do bom senso ou diálogo dos estrategas, diplomatas e governantes. Não é apenas o resultado de malabarismos que ostentem ou escondam armas para assustar ou dissuadir o outro lado da trincheira. A paz tece-se de fios de relação humana que precisam aproximar-se do sobrenatural para se entenderem e libertarem em plenitude. Terçar armas com argumentos da força, do medo, da ameaça, ou simplesmente do cálculo assustado pelas consequências da guerra, é um gesto que sempre envolve a ambiguidade humana entre o que se diz e que se faz, o que se revela e o que se esconde. O dom de Deus manifesta-se no coração, purificado de malícia e artimanha, numa aproximação fraternalmente liberta, desarmada e gratuita. Por isso, implorar o dom de Deus para a paz, na Quaresma de 2003, é pedir a Deus a conversão do coração. Na iminência da guerra entendemos melhor a lídima teoria da paz. Porque a paz não é pertença de esquerda ou de direita.


Reflexo