Editorial

A paz em más companhias

António Rego
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Ninguém, entre nós, pode fugir ao estrondo da guerra. Os jornais não conseguem calar. As rádios não podem silenciar nem as televisões sabem evitar as imagens. Parece que o mundo anda incendiado, a seguir, de forma devoradora e inevitável, a super guerra há muito anunciada, contestada e imparavelmente em marcha, sem nada se saber do desfecho. Para já, perdeu a magia da surpresa, das projecções dos estrategas, o benefício da dúvida sobra a eficácia. Desapareceu também a sedução dos jogos tridimensionais de vídeo com uma espécie de guerra das estrelas de efeitos visuais mágicos e inebriantes. Somos chegados à fase do puramente prosaico com as conferências de imprensa a produzirem mais propaganda que informação, mesmo no meio das narrativas amarguradas de, afinal, as coisas estarem mais feias e difíceis do que pareciam. Os rostos dos generais ficam sempre fulminados de impotência quando narram, por incapacidade de ocultar, o número de acidentes, feridos ou mortos. Mesmo puxando pela lágrima patriótica nunca conseguem falar da morte sem a confissão tácita da derrota. Era o que se dizia. Por muito triunfante que saia um exército, a humanidade sai sempre derrotada de qualquer guerra. Por isso continuam a ter razão os milhões de protestos e gritos contra esta aberração do terceiro milénio, que, além do mais, não soube explicar o que pretende e nem o que conseguirá. Os argumentos bélicos tornam-se mais frágeis de dia para dia e já se percebe que a opinião pública mundial não levanta mais alto o seu protesto apenas por respeito comovido aos seus jovens que andam pelo deserto “a morrer pela pátria e a viver sem razões”. Calaram-se, também dentro da Igreja, muitas vozes, para se não confundirem com partidos ou correntes ideológicas duvidosos que se apoderaram dos cartazes e slogans anti guerra. É preferível, todavia, proclamar ideais de paz em más companhias, que defender a morte e a violência em harmonia com os poderosos. Nesse aspecto João Paulo II andou desta vez “mal acompanhado” na sua inconformidade perante a guerra. Mas a sua voz foi eco de muitos milhões de pessoas que trazem no coração o desejo transparente da paz e da justiça.


Reflexo