Editorial

A pequena Joana

António Rego
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O caso da Joana, independentemente do seu desfecho judicial tocou, pela repulsa e desconcerto, a sociedade portuguesa. No princípio, tudo soava a telenovela de informação, com um destaque aparatoso nos noticiários, sobretudo da televisão e da imprensa. “Mau gosto, exploração comercial de sentimentos humanos†diziam alguns críticos, candidatos permanentes à respeitabilidade da classe A. Foi, curiosamente, em Fátima, num encontro nacional de oficiais da comunicação que alguém, ingénua e apaixonadamente, abriu o serão, destinado a outros trabalhos, com um rosto de pivot de televisão, como quem dava uma notícia em exclusivo: “Boa noite. Afinal a Joana está morta. Tudo o que se disse antes era teatro.†Ninguém perguntou quem era a Joana. Tanto os leitores de selectas literárias como as esponjas de televisão estavam dentro da história. Logo começaram a tecer os mais variados comentários sobre um assunto de que afinal eram profundos conhecedores. Faltava apenas libertar o verbo. Jorge Sampaio, apesar de ter aberto uma presidência sobre a saúde, reconheceu que a sua proposta não pegou na opinião pública. O caso da Joana – e o dos professores não colocados - passou à frente. Os temas não se impõem por agenda. São agendados pela sequência da vida e, quer se queira quer não, quando têm densidade humana, passam à frente de qualquer teoria. É neste real que temos de construir a reflexão sobre a pessoa humana, a história e a fé. É neste concreto, umas vezes optimizado, outras salpicado de maldições, que se ergue o Reino de Deus. O caso da Joana começou como folhetim de tablóide. Mesmo inacabado, não deixa em paz um povo que cada vez mais se surpreende com a realidade a ultrapassar a ficção. P. António Rego


Reflexo