O sol, nosso amigo, fonte de luz, tem sido nestes últimos tempos, olhado (nunca de frente) como um concorrente da mãe água, fonte de vida. Duas vidas, afinal, em harmonia e em permanente tensão. Como a terra e o ar. A terra, ventre que nos envia e nos recebe. Ar que nos sustenta cada segundo e nos fustiga em ciclones avassaladores. Como os ventos e marés, rios e mares, frio e calor. E os planetas vizinhos, galáxias e anos de luz de miríades que nos rodeiam, nossos companheiros distantes em milénios e espaços que roçam o infinito.
Chegam-nos, quando muito, hipóteses sobre esta glaciar seca que não é do sul nem do norte. Que nem sabemos se foi gerada pelos erros de gestão da terra, se por mil acasos que se converteram em lei ou nunca, na verdade, foram acasos. Nem nos dizem se Quioto tivesse chegado antes e cumprido depois, a terra e o céu, o mar e o ar, a água e o fogo estariam cada qual no seu carril perfeito, a cumprir o que lhe é devido.
Talvez seja bom ir mais atrás. Dizem os sábios das profundezas que a terra já esteve mais desordenada que hoje. Sismos, maremotos, degelos, convulsões e cataclismos aconteceram para que a terra melhor se ajustasse, como um esférico bloco desgarrado precisa de estremecimentos para que os sucessivos segmentos ocupem o espaço que lhes compete. Assim dizem.
O que parece claro é que o problema da água cada vez se coloca com maior premência. Nos desertos que, como inundação, se espalham a partir do sul, no sufoco de muita floresta esbanjada, no ar que os vapores industriais vão envenenando, nos ventos, frio e calor que podemos descoordenar. Água e floresta geram-se mutuamente e cruzam-se na recriação exuberante da vida. Ou se excluem sem piedade deixando o planeta como na secura do dia seguinte a uma bomba de neutrões - ou no canto do abismo dos pássaros, de Messiaen. E como tratar os grandes “Poços de Jacob” do nosso tempo: albufeiras, barragens, lençóis subterrâneos, nascentes indefesas?
Nada disto se entende fora do projecto de Deus no acto da criação do mundo. Onde aparentemente nada parece estar nas nossas mãos. Onde, afinal, tudo depende de nós. Seja qual for a interpretação preferida para Livro do Génesis, nenhuma nos tira a responsabilidade da gestão da terra: ”Enchei a terra e dominai-a.”
António Rego